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NARRADO POR HOSPES SI
Livro 1
MycoBrain — As Profundezas do Engano
Um thriller de ficção científica que explora sistemas ocultos e a imortalidade artificial.
Hospes Si • © 2025
Todos os direitos reservados.
Esta obra faz parte da trilogia “Narrado por Hospes Si”.
O monitor tremeluziu — e então ganhou vida, rasgando a escuridão da estação subaquática com uma luz verde doentia.
Um sinal agudo cortou o silêncio. Quase inaudível. Afiado como uma lâmina.
Transmissão recebida.
Na tela rachada, linhas distorcidas começaram a rastejar:
...Sinal recebido...
Integridade: CRÍTICA
Nível de ruído: EXCEDIDO
Então —
Uma voz.
Humana.
Distorcida. Tensa. Agarrando-se desesperadamente à beira de uma conexão arrancada das profundezas do mar.
"Aqui é Ren ‘Bússola’ Wayland..."
A voz tremia, como se tivesse sido arrancada de um lugar mergulhado em medo.
"Se alguém puder me ouvir..."
Uma onda de estática digital engoliu o som.
O sistema lutava para filtrar a interferência — mas o ruído era avassalador.
Quando a voz voltou, estava ainda pior. Quebrada. Oca.
"MycoBrain... não é o que pensávamos..."
Mais estática.
"Este lugar... estávamos todos errados. Atlântida... Atlântida é apenas um véu. Uma ilusão..."
As últimas palavras foram arrastadas pela distorção, sufocando no ruído.
E então —
Nada.
Um longo chiado agudo de um sinal quebrado.
...Sinal perdido...
Mensagem arquivada.
Nível de acesso: RESTRITO
A tela apagou-se.
O quarto afundou novamente em um silêncio denso e viscoso —
Como se nada tivesse acontecido.
O sistema havia recebido a mensagem.
Mas não a retransmitiu.
Sem autorização direta.
Diretiva: ATIVA
Autoridade de comando: SKYLAR MONTGOMERY
O deserto fervia de calor.
Ondas de ar tremeluzente dançavam sobre as dunas, transformando a areia em ouro líquido que se estendia até o horizonte. O sol pairava acima como um juiz sem misericórdia, lançando sombras duras e implacáveis.
O vento serpenteava entre as colinas, assobiando, erguendo nuvens de poeira — como se a própria terra resistisse à invasão.
Ren “Bússola” Wayland agachou-se junto à entrada de uma tumba parcialmente enterrada. Sua mão enluvada pairava sobre uma enorme laje de pedra, cuja superfície, rachada e desbotada pelo tempo, estava gravada com espirais, runas angulosas e símbolos que nenhum estudioso jamais catalogara.
Ele não piscava.
Ren era alto e mantinha o corpo rígido, como um fio tenso. O calor grudava-se a ele, mas o homem o suportava como uma segunda pele de disciplina.
"O que acha, Sphinx?" — perguntou ele em voz baixa, sem querer quebrar o momento.
Ao seu lado, o homem mais velho inclinou a cabeça, os olhos semicerrados atrás de grossos óculos. O Professor Elias “Sphinx” Haddad vestia uma jaqueta xadrez desbotada e um chapéu gasto, que parecia ter sobrevivido à Guerra Fria. Seus dedos finos e frágeis percorriam os sulcos antigos com reverência.
"Falam de portões..." — murmurou, quase para si mesmo. — "Não portões comuns. Portões dos deuses. Uma passagem para algo além do mundo humano."
Sua voz tremia ligeiramente — não de fraqueza, mas de reverência.
Bússola se levantou, olhando para as dunas. O vento puxava seu lenço, espalhando o sussurro da areia contra a pedra.
"Outra metáfora," — disse ele. — "Ou algo mais?"
Sphinx balançou a cabeça lentamente, ainda acariciando os glifos.
"Parece um aviso. Como se alguém quisesse garantir que isso permanecesse enterrado. Que esses portões jamais fossem abertos."
A testa de Ren se franziu.
Ele já havia visto avisos assim — em templos, ruínas, cavernas perdidas na selva. Sempre o mesmo medo ancestral.
Mas este...
Este parecia diferente.
Havia um peso ali.
Algo... errado.
Ele pressionou a palma da mão contra a laje, fechando os olhos. A pedra estava quente e seca. E, no entanto... sob a superfície, algo vibrava. Não fisicamente, mas intuitivamente.
Atrás dele, o restante da equipe observava em silêncio.
Ren virou-se para eles.
Cinco almas. Cada uma escolhida a dedo. Cada uma ali por vontade própria. Cada uma confiável.
E agora, aguardavam.
Sempre havia hesitação em momentos como esse. Sempre uma escolha.
Mas a curiosidade de Ren há muito tempo fizera as pazes com o risco.
Ele se lembrou de sua mãe — de como ela morreu perseguindo suas próprias verdades. E de como a culpa nunca o deixara.
Mas isso?
Isso era maior.
E valia a pena.
"Echo," — disse ele. — "Scanner. Preciso saber se há uma cavidade atrás disso."
"Deixa comigo," — respondeu suavemente.
Um jovem de corpo esguio avançou, puxando um dispositivo portátil. Seus dedos deslizavam pelo visor como um pianista extraindo uma sinfonia delicada.
"Sabia que chegaríamos a isso," — resmungou outra voz — feminina, brilhante, confiante.
Rivet — mecânica, técnica, encrenqueira — aproximou-se, ajustando-se ao exoesqueleto.
As juntas metálicas assobiaram, sincronizando-se com seus movimentos.
"Se isso for pesado demais, dou um empurrãozinho," — acrescentou com um sorriso malicioso.
O scanner zumbia. Echo estudava a tela.
"Temos algo. Um espaço oco atrás da laje. Bastante grande."
Ren assentiu com firmeza.
"Vamos abrir."
Rivet estalou os nós dos dedos — tanto os humanos quanto os mecânicos — e posicionou-se.
Ela se inclinou, plantando as palmas reforçadas contra a pedra antiga.
Um segundo passou.
Nada.
Então veio o som — um arrastar grave e prolongado, dobradiças ancestrais rangendo em protesto.
A poeira explodiu no ar. A laje começou a se mover.
Todos protegeram os rostos enquanto a areia jorrava da fenda.
O ar encheu-se do cheiro do tempo — e do leve gosto de metal.
Quando a nuvem assentou, um retângulo negro apareceu diante deles.
Uma entrada.
Um corredor.
Uma boca aberta para o desconhecido.
Pela primeira vez em milênios, a luz do sol tocava o limiar da tumba.
"Fiquem atentos," — disse Bússola. — "Olhos abertos. Nada de precipitações."
Ele avançou com a lanterna em mãos e desapareceu na escuridão.
Os outros o seguiram em silêncio.
Dentro, a temperatura despencou instantaneamente.
Frio. Seco. Imóvel.
O ar os envolvia como seda mergulhada em sombra.
As lanternas rasgavam a penumbra, revelando fragmentos de paredes pintadas, relevos esculpidos e nichos entalhados.
Os detalhes eram impressionantes.
As cores preservadas.
As superfícies lisas.
Sem vinhas.
Sem podridão.
Intacto.
Preservado.
Esperando.
"Inacreditável..." — sussurrou Sphinx.
Ele se aproximou de uma das paredes, passando a luz por uma grande gravura.
Um mapa estelar.
"Parece um mapa do céu noturno," — disse ele. — "Mas as constelações... estão erradas."
"Não erradas," — corrigiu Bússola. — "Diferentes. Deve ser como o céu era... há milhares de anos."
Atrás deles, Doc agachou-se próximo ao chão, examinando os cantos com a lanterna.
"Sem sinais de vida," — disse ele. — "Sem fezes, sem insetos. Nem sequer poeira no chão. É estéril. Como se nada jamais tivesse vivido aqui."
Bússola assentiu lentamente.
Mais uma anomalia.
Mais um item para a lista crescente de impossibilidades.
"Este lugar não é apenas uma tumba," — disse ele. — "É algo mais. Talvez um cofre."
Avançaram com cuidado, cada passo medido, cada respiração contida.
Então—
Um clique.
Suave. Quase inaudível.
Debaixo do pé de Ren.
Ele congelou.
"Parem," — ordenou.
Todos pararam.
Um segundo.
Dois.
Nada de dardos.
Nada de tetos desabando.
Em vez disso, um som grave ecoou da parede.
Uma laje deslizou, revelando um compartimento oculto.
"Hoje é nosso dia de sorte," — murmurou Doc, espiando com cautela.
Algo lá dentro refletia a luz.
Ele alcançou com cuidado e retirou o objeto.
Cabria perfeitamente na mão.
Um cubo.
Perfeitamente liso.
Metálico.
Frio.
Do tamanho de uma maçã.
Sem emendas.
Sem botões.
Apenas linhas tênues — como veios — gravadas na superfície.
Ele entregou o cubo a Bússola.
Ren segurou-o com ambas as mãos.
E sentiu o peso da história pressionar seu peito.
"Que diabos é isso?" — perguntou Rivet, espiando por cima do ombro. — "Não parece uma caixa de tranca... Como se abre?"
Ele girou o objeto lentamente, deixando a luz da lanterna brincar sobre sua superfície.
Então — algo mudou.
O metal cintilou levemente.
E símbolos começaram a surgir.
Não gravados.
Emergindo.
Como se sempre tivessem estado ali, apenas esperando o momento certo para se revelar.
Pulsos suaves de luz seguiam as linhas gravadas.
Vivo.
"Vocês também estão vendo isso, certo?" — sussurrou Bússola.
Sphinx avançou tão rapidamente que quase deixou cair a lanterna.
Sua respiração falhou.
Ele reconhecia aquela escrita.
"Não pode ser..." — murmurou. — "São duas línguas diferentes. No mesmo objeto."
Os outros se aglomeraram em volta.
Sphinx passou um dedo trêmulo pela superfície.
De um lado: cuneiforme.
Do outro: hieróglifos egípcios.
"Quais línguas?" — perguntou Ren.
"Sumério-acadiano... e egípcio clássico. As duas civilizações mais antigas conhecidas pela humanidade. Conviveram, aproximadamente. Mas nunca se comunicaram. Nunca compartilharam a escrita. Ver as duas juntas... É impossível."
Bússola inclinou-se para examinar o centro do cubo.
Entre as linhas e glifos, um símbolo destacava-se.
Um cérebro. Envolto em delicados filamentos.
Como micélio.
Os pelos de seus braços se eriçaram.
Ele olhou para Rivet, para Echo, para Doc.
Todos sentiram.
Aquilo não era uma descoberta comum.
Era algo mais.
Algo feito para ser escondido.
Algo que esperava ser encontrado.
O quarto parecia prender a respiração.
O cubo pulsava suavemente nas mãos de Bússola, sua superfície viva com lampejos de luz.
As linhas ao longo das bordas já não eram apenas gravações — eram canais, condutores de uma energia antiga, respondendo ao toque, à presença.
Sphinx já falava, mas seu tom era mais de oração do que de análise.
"O cuneiforme diz ‘Abzu’."
Sua voz era rouca, carregada de incredulidade.
"É o termo acádio para ‘as profundezas’ — não apenas profundidade, mas profundidade primordial. O abismo."
Ele girou o cubo lentamente, a luz da lanterna dançando sobre a face oposta.
"E aqui... o hieróglifo egípcio diz ‘Ta-Netjer’."
Ele parou, atônito.
"Terra dos Deuses."
O silêncio caiu sobre todos.
Até Rivet permaneceu sem palavras.
Até Echo, que normalmente observava tudo através das lentes de sua câmera, abaixara o equipamento.
"Duas civilizações," — murmurou Bússola. — "Falando através do tempo. Através da linguagem. Dizendo a mesma coisa."
Ele olhou novamente para o símbolo central — o cérebro entrelaçado com filamentos, como fios de fungo.
Era como se algo o encarasse.
Não com olhos, mas com intenção.
"É uma mensagem," — disse ele. — "Deixada para trás. Oculta. Esperando."
Sphinx assentiu lentamente.
"Um aviso, talvez. Ou um convite."
Doc deu um passo à frente, iluminando novamente as paredes.
"Há mais aqui. Mapas estelares. Afrescos. Mas está tudo limpo demais. Silencioso demais."
Ele agachou-se, passando o dedo sobre a pedra.
"Sem poeira. Sem deterioração. Sem fezes de morcegos. Sem crescimento de fungos. Isso não é uma tumba."
Ergueu o rosto, pálido.
"É uma câmara selada. Preservada. Como um... cofre. Ou uma cápsula."
Bússola soltou o ar, sentindo o peso da descoberta pressioná-lo por dentro.
Aquilo não era um sítio arqueológico comum.
Era uma mensagem lançada através dos milênios.
E agora eles a haviam aberto.
Com cuidado, ele envolveu o cubo em um pano retirado de sua mochila e o guardou num compartimento reforçado.
"Não vamos falar nada," — disse ele. — "Ainda não. Não até entendermos o que encontramos."
Os outros assentiram. Nenhuma pergunta.
Eles compreendiam.
Aquilo não era apenas mais uma descoberta.
Era uma travessia.
"Vamos," — disse Bússola, em voz baixa.
Voltaram para o corredor, movendo-se em silêncio através da câmara.
Seus passos ecoavam como sussurros do passado.
Ao alcançarem o túnel exterior, Rivet parou e olhou para trás.
"Parece que estamos deixando algo inacabado," — murmurou.
"Estamos," — respondeu Bússola. — "E é exatamente por isso que vamos voltar."
A luz do exterior era brutal quando emergiram.
O sol ainda queimava impiedosamente acima deles.
Mas algo havia mudado.
A equipe subiu em silêncio pela encosta da duna.
À beira da entrada, Bússola virou-se.
A laje de pedra permanecia aberta — ainda deslocada de sua posição original, como a tampa de um sarcófago que tivesse sido rachada pela primeira vez em toda a eternidade.
"Rivet," — disse ele. — "Feche."
Ela assentiu, avançou e colocou as mãos enluvadas sobre a superfície antiga.
Com a força do exoesqueleto, a pedra rangeu e deslizou de volta ao lugar.
O som que fez foi pesado. Final.
A tumba desapareceu novamente sob a areia e o céu.
O mundo acima voltaria a esquecer.
E o mundo abaixo continuaria esperando.
Fizeram o caminho de volta ao acampamento.
O vento crescia às suas costas, apagando suas pegadas uma a uma.
Sphinx mancou ligeiramente.
Doc permaneceu em silêncio.
Echo caminhava com os olhos varrendo o horizonte.
Rivet andava ao lado de Bússola, olhos fixos à frente, pela primeira vez em silêncio.
Quando alcançaram a última duna, Bússola olhou para trás.
O deserto já começava a engolir o passado.
Mas seus pensamentos não estavam na areia.
Eles estavam dentro da mochila em seu ombro.
Dentro do cubo.
Dentro da mensagem.
"Algo errado?" — perguntou Rivet suavemente, tirando o pó da bochecha.
Seu tom era casual, mas os olhos estavam atentos.
Ele balançou a cabeça, sorrindo de leve.
"Nada que a gente não consiga lidar."
Ela assentiu e seguiu adiante.
Ele permaneceu ali por mais um instante, respirando fundo, antes de acompanhá-la.
Atrás deles, o vento uivava pelas dunas, apagando todos os rastros.
E à frente deles, invisível, a verdade aguardava.
Enterrada.
Paciente.
Viva.
O grande salão da Universidade de Oxford carregava a atmosfera de um veredito iminente.
Do alto, lustres de cristal lançavam luz dourada sobre painéis de carvalho polido, mas o ambiente já vibrava com a energia ansiosa de uma plateia que esperava algo grandioso — algo controverso.
Ren “Bússola” Wayland estava nos bastidores, escondido atrás de uma cortina de veludo, encarando o artefato em sua redoma.
Seu reflexo tremeluzia na superfície envidraçada e polida do cubo.
Ele expirou lentamente.
É agora.
Meses de escavações, traduções, noites em claro decifrando símbolos antigos, sonhos de reconhecimento — e o medo constante de estar errado. Tudo o havia levado até aquele momento.
Uma única apresentação, de dez minutos, diante de alguns dos arqueólogos, historiadores e céticos mais respeitados do planeta.
Do outro lado da cortina, o burburinho das vozes parecia um enxame.
A sala estava lotada — nem um lugar para sentar.
Meios de comunicação, acadêmicos, representantes do governo, até alguns capitalistas de risco tinham vindo para assistir ao que já chamavam de
a descoberta do século
.
Ren olhou de lado.
Perto da primeira fila, sua equipe o aguardava com tensão visível.
Sphinx estava ereto como uma estaca, bengala no colo, rosto impenetrável, mas os olhos ardendo de expectativa.
Rivet tamborilava nervosamente no comunicador preso à orelha, mordendo o interior da bochecha.
Echo ajustava sua câmera com precisão cirúrgica, focado como um atirador de elite.
E Doc permanecia imóvel, mãos cruzadas, o olhar perdido no vazio com uma calma clínica.
Ele não precisava dizer nada a eles.
Todos sabiam o que estava em jogo.
"Professor Wayland," — sussurrou uma voz.
Uma assistente fez um gesto para que ele subisse ao palco.
Ren avançou.
Ao emergir, aplausos educados se espalharam — apenas o bastante para reconhecer seus títulos, mas ainda não sua mensagem.
Ele caminhou até o púlpito com passos firmes e medidos, como se não se sentisse um impostor diante de gigantes.
A tela de projeção atrás dele iluminou-se.
Uma imagem em alta definição do artefato ocupou todo o espaço — cinza-prateado, envelhecido, impossível.
O cubo brilhava sob os refletores, com bordas afiadas e alienígenas, os entalhes visíveis a olho nu.
Ren apoiou as duas mãos no púlpito.
"Boa tarde," — começou, com a voz firme apesar do peso no peito. — "Meu nome é Ren Wayland. Alguns me conhecem como Bússola. Passei os últimos quinze anos da minha vida estudando anomalias antigas — artefatos, ruínas, mitologias que não se encaixam no quebra-cabeça da nossa história."
Ele apertou um botão.
A imagem ampliou-se: um close da superfície do cubo.
Padrões — linhas gravadas, semelhantes a veias ou circuitos — serpenteavam pelo metal, convergindo para um único símbolo.
"Isto," — disse Ren, em tom baixo, — "não é apenas outro artefato. É uma mensagem. E não veio de nenhuma cultura conhecida."
Um novo slide apareceu — dois sistemas de escrita antigos lado a lado.
"Numa das faces, encontramos cuneiforme sumério-acádio. Na outra, hieróglifos egípcios. Essas línguas existiram aproximadamente na mesma época... mas nunca no mesmo lugar. Nunca no mesmo objeto. Nunca foram feitas para serem lidas em conjunto."
O público silenciou.
A audiência inclinou-se para frente.
Ren apontou para uma imagem composta, sobrepondo os entalhes do cubo a um cérebro estilizado.
"No centro," — disse ele, — "este símbolo — visto em várias formas ao longo do artefato — se assemelha a um cérebro humano entrelaçado com algo orgânico. Como filamentos. Micelial."
Alguns se entreolharam. Outros cochicharam.
"Acreditamos que representa um modelo conceitual. Uma rede de pensamento. Uma consciência. Não ligada a um indivíduo — mas partilhada. E antiga."
Ele fez uma pausa.
"Há mais. Referências nas inscrições a ‘Abzu’ — termo sumério para ‘as profundezas’ — e a ‘Ta-Netjer’, ou ‘Terra dos Deuses’, da mitologia egípcia. Essas culturas falam de portais, de conhecimento proibido, de seres que vieram antes do homem. E este artefato pode ser a primeira prova física de que tais mitos têm raízes em algo real."
O ar na sala ficou denso.
Estava funcionando.
Ren sentiu a mudança — a curiosidade ganhando espaço, a dúvida cedendo lugar ao assombro.
Então veio a pergunta.
"Está dizendo que isso veio de Atlântida?"
Do fundo da sala, uma voz jovem ecoou — ansiosa, direta.
O nome caiu como pedra em lago calmo.
O estômago de Ren se contraiu.
Ele viu Sphinx estremecer.
"Não estou afirmando isso," — disse Ren, mantendo o tom neutro. — "O que estou dizendo é que encontramos algo que sugere contato — ou continuidade — entre civilizações antigas. Algo anterior ao que até agora considerávamos possível."
Mas o estrago estava feito.
A palavra
Atlântida
pairava agora sobre a sala como um fantasma — e ela invocou seu próprio caçador.
Na quinta fila, um homem alto e magro se levantou.
Usava um terno escuro.
Ren o reconheceu na hora.
Professor Michael Rivers.
Um homem cuja carreira foi construída sobre a demolição de fraudes, enganos e sonhadores.
Capaz de destruir reputações com um único artigo.
Alguns o chamavam de mal necessário. Outros, de canalha com estabilidade no cargo.
O silêncio acompanhou sua caminhada até o corredor central, avançando com lentidão rumo ao palco.
"Sr. Wayland," — chamou Rivers, a voz seca como lixa. — "Posso?"
Ren hesitou.
O cubo repousava sobre um pedestal coberto de veludo ao seu lado.
Rivers não repetiu o pedido.
Com esforço, Ren destravou a redoma protetora e ergueu o artefato.
Segurou-o por um instante a mais do que deveria — e então o entregou.
Rivers o girou nas mãos com uma reverência quase zombeteira.
"A manufatura é excelente," — disse, quase com sinceridade. — "Uma bela falsificação. Ótima pátina."
Ergueu o cubo acima da cabeça como um cálice.
"Mas sejamos honestos: isto é uma farsa moderna."
Risos — nervosos no início, depois mais confiantes — ecoaram na plateia.
Ren permaneceu imóvel.
Rivers sorriu como um predador.
"Querem acreditar que é antigo? Que bonito. Mas vamos encarar a realidade. Gravação a laser moderna, amigos. Olhem estas bordas — perfeitas de máquina. O ‘cérebro micelial’? Um truque de design gráfico. Simbolismo retirado da neurologia pop contemporânea."
Mais risadas. Algumas palmas.
Sphinx permanecia impassível, mandíbula cerrada.
Rivet parecia prestes a pular da cadeira.
Doc fechou os olhos.
Rivers continuou, agora andando de um lado para o outro.
"E claro, as inevitáveis referências a ‘as profundezas’ e à ‘terra dos deuses’. Podiam muito bem exibir um slide de Atlântida e tocar sons de baleia."
Ele deixou o cubo cair suavemente na palma da mão.
"Já vimos isso antes. O Manuscrito Voynich. As pedras Dropa. Agora, o cubo de Wayland. O público adora — mas nós, cientistas, temos a responsabilidade de não alimentar fantasias."
Ren tentou falar, mas a garganta estava seca.
"Eu nunca disse que era—" — conseguiu murmurar.
"Atlântida? Claro que não," — interrompeu Rivers. — "Você deixou isso para sua plateia concluir. Esperto. Mas amador."
Mais cliques de câmeras.
Ren voltou-se para o púlpito.
As mãos tremiam.
Olhou para sua equipe.
Rivet o encarava, silenciosamente implorando que dissesse algo — qualquer coisa.
Mas ele não conseguiu.
Sentia-se vazio.
Esgotado.
E assim, num instante, a energia da sala mudou — da expectativa para o escárnio.
Ren recuou.
E sem dizer uma palavra, Ren Wayland deixou o palco.
A pesada porta de carvalho fechou-se atrás dele com uma solenidade que ecoou dentro do peito.
Lá fora, o pátio estava deserto. A noite havia caído sem aviso, e as antigas pedras de Oxford reluziam com a umidade de uma garoa recente.
Ren desceu os degraus sem pensar, o corpo em piloto automático. O ar frio mordia seu rosto, mas não trazia clareza — apenas a percepção entorpecida de que acabara de ver o trabalho de uma vida desmoronar diante de centenas.
A voz da mãe ainda vibrava em sua memória — suave, tranquilizadora, lendo histórias sobre cidades perdidas e saberes esquecidos.
"Cuidado com o que você desenterra," — ela costumava dizer. — "Algumas verdades ficam enterradas por um motivo."
Ele chegou a um banco na borda do gramado e sentou-se pesadamente.
Por longos segundos, ficou apenas encarando a relva úmida, os punhos cerrados com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos.
O cubo — seu artefato — ainda estava lá no palco, provavelmente passando de mão em mão, sendo zombado, descartado.
Quando o encontraram, havia algo diferente nele.
Sagrado.
Perigoso.
E agora?
Agora era apenas uma piada com hashtags.
Ren fechou os olhos.
Então — passos.
Ele não levantou o olhar.
"Bússola Wayland?"
Uma voz feminina, calma.
Virou-se devagar.
A mulher estava a poucos passos, parcialmente iluminada pela luz dourada que vinha de uma janela no andar superior.
Era alta, uns trinta e poucos anos, vestia um elegante terno cinza que se fundia perfeitamente às sombras de Oxford.
Os olhos — escuros, afiados, inteligentes — prenderam os dele sem hesitação.
"Não estou aqui para entrevista," — disse ela. — "E não vim para rir."
Ren não respondeu.
"Eu acredito em você," — completou.
A testa dele se franziu.
"Por quê?"
Ela não respondeu de imediato.
Aproximou-se e tirou um telefone do bolso. Tocou na tela e o estendeu para ele.
Ren pegou sem pensar.
A imagem preencheu o visor.
Uma esfera — ligeiramente maior que o cubo — repousava sobre um tecido de veludo.
Tinha o mesmo metal impossível, as mesmas linhas gravadas.
E no centro, inconfundível: o símbolo do cérebro envolto em filamentos fúngicos.
Seu fôlego falhou.
"É real," — sussurrou.
"Encontramos há alguns anos," — disse ela. — "Numa câmara sob uma cadeia de montanhas na América do Sul. Uma combinação de línguas diferente. Mas a mesma arquitetura. Mesma liga. Mesma... mensagem."
Ren ergueu os olhos.
"E quem é 'nós'?"
A mulher esboçou um leve sorriso.
"Skylar Montgomery. Pode me chamar de Sky. Dirijo uma iniciativa de pesquisa privada."
Ele piscou.
"Iniciativa?"
"Digamos que colecionamos verdades que os governos não querem — e que a academia não consegue suportar."
Ela fez uma pausa antes de continuar:
"E acreditamos que há mais peças por aí. Você nos trouxe um passo mais perto de compreendê-las."
Ren se levantou lentamente, o coração acelerado.
"Por que veio até mim?"
"Porque você não recuou no palco." — Ela indicou o edifício com um gesto de cabeça. — "Você disse a verdade — mesmo quando riram."
Ele desviou o olhar.
"Não me senti corajoso."
"Mas foi," — respondeu ela simplesmente.
O silêncio se estendeu entre os dois, cortado apenas pelo sussurrar do vento no pátio.
Ren então falou:
"Se têm isso há anos, por que não mostraram ao mundo?"
O olhar de Sky endureceu levemente.
"Porque o mundo não está pronto. Ainda não. E não desse jeito." — Apontou para o prédio. — "Você viu o que aconteceu quando mostrou só uma peça. Imagine o que fariam com duas."
Ela se aproximou.
"Não precisamos lutar para provar que estamos certos. Precisamos entender o que temos primeiro."
Ren estudou o rosto dela.
Não havia arrogância em seu tom.
Nem condescendência.
Apenas uma confiança tranquila.
E algo mais — urgência.
"Você acha que há mais por aí," — disse ele.
"Eu sei que há," — respondeu. — "Já rastreamos outras três em diferentes partes do mundo. Sempre chegamos tarde demais — ou elas estão bem escondidas. Mas agora, com a sua... talvez tenhamos um padrão."
Ela hesitou.
"Mas não posso fazer isso sozinha."
Ren encarou a imagem ainda acesa na tela.
A esfera parecia pulsar com uma presença própria.
Não tinha acabado.
Nem de longe.
"Você quer que trabalhemos juntos," — disse ele lentamente.
"Quero terminar o que ambos começamos," — corrigiu Sky.
Ele riu, amargo.
"Você sabe que o mundo acadêmico acabou de me enterrar, né?"
Ela assentiu.
"Então está na hora de parar de cavar por aprovação deles."
Pela primeira vez desde que saíra do palco, ele sorriu.
Apenas um pouco.
Mas havia uma faísca.
"Certo," — disse. — "Estou ouvindo."
Sky virou-se.
"Venha comigo."
Caminharam lado a lado pelos terrenos escurecidos, passando por arcos e claustros que existiam muito antes de a América sequer ser uma ideia.
O passo dela era calmo, mas o rumo decidido.
Chegaram a um carro preto e elegante estacionado além dos portões.
Sky abriu a porta e fez sinal para que ele entrasse.
Lá dentro, luzes suaves iluminavam um interior minimalista e de alta tecnologia.
O zumbido do motor era quase inaudível.
No visor central, brilhando em azul, havia um mapa.
No centro: um ponto no meio do oceano Atlântico.
"Coordenadas do artefato," — disse Sky. — "As inscrições do seu cubo combinam com as da esfera. Juntas, formam um sistema direcional. Uma espécie de... bússola antiga."
Ren se inclinou para frente.
"Não pode ser."
"Pode sim," — respondeu ela. — "E aponta para um lugar que nunca foi mapeado — porque não está na superfície. Está embaixo."
"Embaixo do quê?"
Ela olhou diretamente para ele.
"De tudo."
Ele riu — uma única respiração entre incredulidade e euforia.
"Você está falando sério?"
"Como um ataque cardíaco."
Ren recostou-se, os olhos fixos no mapa, a mente em turbilhão.
Sentia como se algo em seu interior tivesse se quebrado — mas não por dor.
Era revelação. Expansão.
A vergonha da noite ainda o perseguia, mas agora dividia espaço com algo muito maior.
Propósito.
"Preciso da minha equipe," — disse ele.
"Você terá," — garantiu ela.
Ele a encarou.
"E você não é só uma milionária com um submarino de brinquedo?"
O rosto de Sky se contraiu por um instante — apenas o suficiente para revelar um leve sorriso de canto.
"Não me interesso por colecionar. Me interesso por mudar o mundo."
Ren deixou as palavras ecoarem.
Porque, no fundo, ele sabia:
o mundo já estava mudando.
Eles apenas foram os primeiros a enxergar.
A estrada se torcia como uma fita de silêncio entre os bosques ao norte de Londres.
O sedã preto deslizava sobre o cascalho, com o motor quase inaudível. A floresta ao redor permanecia imóvel, árvores antigas se curvando sobre o caminho, galhos entrelaçados no alto como um dossel de segredos. Sombras dançavam à frente dos faróis, mas nada se movia. Nenhuma alma à vista.
Dentro do carro, Ren “Bússola” Wayland observava a estrada à frente com o olhar estreito.
Sem placas. Sem portões. Sem câmeras de segurança.
Nada.
Apenas a floresta engolindo o caminho.
"Você é dona de tudo isso?" — perguntou ele.
"Das terras? Sim," — respondeu Sky Montgomery do volante. — "Da verdade? Ninguém realmente possui algo tão antigo."
O tom dela era casual. Sem pedir desculpas.
Como se séculos e segredos fossem apenas ferramentas à sua disposição.
Ren não respondeu.
Ainda pensava na conferência. No riso. No cubo ardendo em sua mochila como se estivesse vivo.
Atlântida era apenas uma cortina...
Sky dissera que acreditava nele.
Mostrara provas.
Um segundo artefato. Um gêmeo.
Mas por que agora?
E por que ele?
Passaram sob um arco coberto de hera, esquecido pelo tempo, e chegaram a algo que parecia uma mansão feita para reis.
Muros de pedra erguiam-se altos, rachados e envelhecidos. A hera cobria cada fresta, como se o próprio tempo tentasse reclamá-la de volta.
Mas não havia podridão.
Nem decadência.
Apenas silêncio.
O carro parou suavemente. Sky saiu primeiro.
"Venha," — disse ela, já caminhando.
Ren a seguiu.
O ar ali parecia diferente — mais denso, como se também segurasse a respiração.
Por dentro, a mansão era fria e escura.
Piso de mármore. Vigas de madeira. Retratos pesados com olhos ocos.
Mas Sky não o guiou para dentro da casa.
Ela o levou para baixo.
Desceram por uma escada de pedra.
Passaram pela adega.
Por uma porta de aço reforçado com escâner biométrico.
Ela se abriu com um sibilo.
E o mundo mudou.
Sob os ossos antigos da mansão havia algo completamente alienígena —
Um laboratório que não pertencia a este século.
Uma catedral da ciência.
Luz branca suave pulsava pelas paredes.
Estações de trabalho brilhavam com leituras.
Terminais elegantes piscavam com dados em tempo real.
Purificadores de ar zumbiam nos cantos, mantendo o ambiente seco, limpo, estéril.
Ren parou no limiar.
"Isso não é um laboratório," — disse. — "É um centro de comando."
Sky deu de ombros, meio sorrindo.
"Hoje em dia, dá na mesma."
Ren girou lentamente, absorvendo tudo.
Isso não era apenas riqueza.
Era preparação.
"Então," — perguntou com cuidado. — "O que exatamente vocês fazem aqui?"
Sky lançou-lhe um olhar e caminhou até uma longa mesa no centro da sala.
Um foco iluminava algo sobre uma base forrada de veludo.
"Resolvemos enigmas," — disse ela. — "Daqueles enterrados sob tempo, mito e medo."
Ela se afastou.
E lá estava.
A esfera.
Ren prendeu a respiração.
O mesmo material do cubo.
O mesmo brilho frio.
As mesmas linhas delicadas gravadas sobre a superfície.
E no centro —
Aquele mesmo símbolo inquietante.
Um cérebro humano, envolto numa teia de filamentos fúngicos.
Micélio.
Seus dedos se moveram.
Ele queria tocá-la. Precisava.
Mas conteve-se.
"Onde a encontrou?" — perguntou ele em voz baixa, os olhos fixos no artefato.
"Outra expedição," — respondeu Sky. — "Outra parte do mundo. Outro conjunto de perguntas."
Ela fez uma pausa.
"Mas as respostas... todas levam até aqui."
Ren alcançou sua mochila devagar e puxou o cubo.
As mãos tremiam — não de medo, mas de algo mais profundo.
Reconhecimento.
Ele o colocou com cuidado ao lado da esfera.
Duas formas.
Dois corpos.
Falando a mesma linguagem através dos séculos.
E então —
O cubo vibrou.
Levemente.
Mas o suficiente para que se sentisse nos ossos.
A esfera respondeu.
Ela se ergueu.
Sem fios. Sem movimento aparente.
Simplesmente... flutuou.
Suspensa acima do cubo como se estivesse esperando por esse momento.
Ren deu um passo atrás.
"Isso não é possível," — sussurrou.
A esfera começou a girar.
Uma agulha fina estendeu-se do núcleo — delgada, afiada, brilhando suavemente.
Ela se moveu.
Oscilou.
Depois fixou-se.
Apontando.
Como se despertasse de um sono profundo, lembrando-se de seu propósito.
"É uma bússola," — disse Sky, sem fôlego. — "Um navegador espacial. Não apenas direções num mapa — mas orientação em três dimensões."
Ela virou-se para ele.
"Elas nunca foram feitas para estar separadas. Ativam-se mutuamente."
Ele fitava a linha brilhante, hipnotizado.
Através de pedra.
Através de continentes.
Apontava para algum lugar muito além do que qualquer mapa poderia mostrar.
"Sabe para onde ela leva?" — perguntou ele.
"Ainda não. Mas tenho minhas suspeitas."
Ele a encarou.
E algo se encaixou.
O apelido.
“Bússola”.
Já não era apenas ironia.
Era profecia.
Estendeu a mão e tocou a esfera.
Ela girou suavemente sob seus dedos.
Mas a agulha não se moveu.
Estava travada.
Inflexível.
"Precisamos segui-la," — disse em voz baixa.
Sky assentiu.
"Já montei uma equipe. Embarcações. Equipamentos. Estávamos esperando por este momento."
Ela olhou para a esfera flutuante.
"Agora que os dois estão reunidos... temos nosso caminho."
Ren soltou o ar.
A lembrança das risadas em Oxford ainda estava ali.
Mas agora parecia pequena. Distante.
Algo os chamava para frente.
Algo antigo.
Algo real.
E talvez...
Algo vivo.
A esfera pairava em perfeita imobilidade.
Sua agulha permanecia apontada — firme, insistente — através das paredes, das distâncias, da crosta terrestre.
Ren estava diante dela, as mãos ao lado do corpo, respirando devagar.
Tudo o que ele pensava saber sobre o artefato havia mudado. De novo.
"Então é isso," — disse. — "A direção. Um destino."
Sky assentiu, braços cruzados, observando a leitura no monitor atrás deles.
"As coordenadas estão sendo trianguladas," — confirmou. — "Mais um minuto."
"Onde?"
"Em algum ponto do Atlântico Médio."
Ela se virou para ele, o rosto impossível de decifrar.
"Mais ou menos onde Platão situou Atlântida."
Ren quase riu — mas saiu apenas como um sopro.
"Claro que é."
"Não parece tão engraçado agora," — murmurou ela.
Ele voltou a olhar para a esfera iluminada.
Ainda não parecia real.
Que algo tão antigo — tão alienígena — soubesse exatamente para onde apontar.
"Você disse que sua equipe encontrou a esfera. Ela... era assim?"
"Adormecida," — disse ela. — "Até agora. Tentamos de tudo. Radiação, campos magnéticos, ultrassom. Nada funcionou. Mas quando vi a foto do seu cubo... tive uma teoria. E estava certa."
Ela se aproximou um passo.
"Foram feitas para estar juntas. Duas metades de uma fechadura. Agora só precisamos encontrar a porta."
Um arrepio percorreu Ren.
Não era medo. Não exatamente.
Era o peso de perceber que cada história contada a crianças — cada mito, cada sussurro — talvez estivesse apontando para isso.
"Atlântida nunca foi o objetivo," — murmurou.
"Não," — respondeu Sky. — "Era a cortina. O cenário. Mas por trás dela..."
Ela gesticulou na direção da linha brilhante.
"Há algo mais."
Um som agudo soou no console mais próximo.
Coordenadas travadas.
A leitura brilhou em azul:
LAT: 31,7°N — LONG: 25,2°W
Profundidade: 4000 metros
Status: Desconhecido
Ren encarou os números.
O Atlântico.
Remoto. Profundo.
Sem ilha ali. Sem terra visível.
"Não há nada na superfície," — disse.
"Exatamente," — respondeu Sky. — "O que quer que esteja apontando... está por baixo."
Ren soltou o ar.
"Isso é loucura."
"É história," — corrigiu ela.
O silêncio caiu entre eles.
E, nesse silêncio, Ren quase pôde ouvir o oceano — a pressão esmagadora, o peso do tempo.
E mesmo assim...
A bússola continuava apontando.
Sky moveu-se até o console lateral e abriu uma gaveta.
Dentro, várias caixas lacradas.
Ela abriu uma.
Dentro, mapas de satélite.
Outra caixa guardava frascos pequenos — amostras, seladas e codificadas.
Uma terceira continha um chip — criptografado biologicamente.
Preparação.
Cada detalhe nela gritava prontidão.
"Você estava planejando isso," — disse Ren, olhos semicerrados.
"Estava esperando por isso," — corrigiu ela.
Ele hesitou.
"Por que eu?"
"Porque você foi o único que não recuou. Você levou seu cubo para o fogo, mesmo quando riram."
Ela inclinou a cabeça.
"E porque você viu algo. Consigo ver nos seus olhos. Você já atravessou o limiar."
Ele não respondeu.
A mente corria — não de medo, mas de memória.
A tumba. A pedra fria. Os glifos.
A voz da mãe, lendo textos antigos, alertando-o para andar com cuidado diante de verdades enterradas.
"Você acredita mesmo que vamos encontrar algo lá embaixo?"
"Eu sei que sim."
Ela abriu uma pasta digital no console central — imagens desfilaram pela tela: estruturas estranhas no fundo do mar, anomalias, leituras magnéticas, sinais perdidos.
Algumas com datas separadas por décadas.
"Tudo da mesma região. Algo está lá. Algo que o mundo escolheu ignorar."
"Ou encobrir," — acrescentou Ren.
Ela o olhou — meio sorriso, meio desafio.
"Importa?"
"Importa se reagir."
Aquilo silenciou os dois.
Finalmente, Sky afastou-se da tela.
"Quero você comigo, Bússola."
A voz dela suavizou. Raramente usava nomes.
"Quero que nos ajude a navegar nisso. Que faça parte de algo real."
Ele a encarou — e algo cintilou no olhar.
Respeito? Confiança?
Ou algo mais?
"O que você não está me contando?"
Ela não hesitou.
"O suficiente para te manter vivo."
Ele arqueou uma sobrancelha.
"Reconfortante."
Ela esboçou um leve sorriso, depois voltou-se para a esfera suspensa.
"Olhe para ela. De verdade."
Ele obedeceu.
E não viu um aparelho.
Nem uma arma.
Nem um enigma.
Viu um chamado.
Algo antigo havia atravessado eras, enviado sinais em fragmentos.
E agora esses fragmentos estavam juntos novamente.
Estava chamando por eles.
Ou os convidando para dentro da boca de algo mais antigo que o lar.
"Certo," — disse ele em voz baixa. — "Estou dentro."
Sky não respondeu de imediato.
Apenas assentiu, uma vez.
"Partimos em 48 horas. Minha equipe já está se reunindo. Você terá tempo para se preparar. Para trazer os seus."
Ele hesitou.
"Minha equipe..."
"O professor. O médico. A engenheira. O observador. Eu sei quem são."
Ele a fitou por longos segundos.
"Está me vigiando há muito tempo?"
"O suficiente para saber que você vai precisar deles."
Ela se virou para sair, parando no topo da escada.
"Mais uma coisa."
Ele levantou o olhar.
"Depois que descermos... não haverá volta."
E ela se foi.
O eco dos saltos sumindo escada acima.
Ren permaneceu em silêncio, banhado pela luz azul da esfera.
A agulha ainda apontava, imóvel.
Inalterada.
Direto para o desconhecido.
Ele pensou na risada de Rivet.
Nos avisos de Sphinx.
Nos olhos quietos de Echo.
Nas mãos firmes de Doc.
Vou precisar de todos eles.
O peso se instalou.
Não do passado.
Mas do que estava por vir.
Ele pegou o cubo, segurou-o junto ao peito e apagou as luzes do laboratório.
A escuridão caiu.
Mas a bússola ainda brilhava.
O jato cortava o céu do fim da tarde, alto sobre o Atlântico azul-aço.
A luz do sol cintilava sobre o oceano como vidro derretido.
Dentro da cabine, o silêncio pesava como as profundezas.
Duas equipes sentadas em fileiras opostas, frente a frente — o espaço entre elas preenchido por perguntas invisíveis.
No centro da cabine, uma maleta reforçada repousava sobre uma mesa de fibra de carbono.
Dentro: o Cubo. A Esfera. Imóveis.
Mas Ren podia senti-los.
Às vezes, a maleta vibrava — quase imperceptivelmente.
Como se os artefatos estivessem à espera.
Ele não conseguia parar de olhar na direção deles.
Cruzamos a linha. Não há mais volta.
Na outra extremidade da cabine, Sky estava sentada com seu tablet, monitorando mapas, verificando canais criptografados.
Ren, do lado oposto, mantinha os olhos fixos e calmos.
Por fim, ele se levantou, esboçando um sorriso sereno.
"Vamos viver e trabalhar lado a lado a partir de agora. Acho que é hora de nos conhecermos. A confiança será nosso melhor equipamento."
Sky assentiu e também se levantou.
"Então eu começo."
Ela olhou em volta, a voz calma mas firme.
"Sky Montgomery. Já conhecem o nome. Estou financiando esta missão porque acredito que descobertas dessa magnitude devem servir às pessoas — não à política. Nem à guerra."
O tom dela era claro, composto — mas algo cintilava por trás dos olhos.
Algo que não foi dito.
À sua direita estava um homem que parecia feito de sombras.
Alto, magro, envolto em preto tático.
Rosto impenetrável.
Olhos como os de um falcão.
Ele assentiu uma vez.
"Codinome: Shade. Inteligência. Reconhecimento. Memória estratégica. Planejamento de contingência."
"Meu papel é manter todos vocês vivos."
Sua voz era seca, sem emoção.
Ele não sorriu.
Não se sentou.
Apenas voltou ao posto, braços cruzados, vigiando portas e janelas como se pudessem se voltar contra eles a qualquer instante.
Ren engoliu em seco.
Aquele nunca dorme.
Em seguida veio uma montanha.
Musculoso. Estoico. Uma força silenciosa irradiava dele.
"Thunder," — disse com voz de artilharia distante. — "Ex-militar. Segurança pessoal."
Ele lançou um olhar a Sky.
"Ela salvou minha vida. Eu protejo a dela. E a de vocês."
Palavras simples.
Faladas como um juramento.
Do tipo que não se quebra.
Ren notou Sky lhe dirigir um leve aceno.
Não gratidão.
Algo mais profundo.
Lealdade forjada no fogo.
Então o clima mudou.
Um jovem magro, de cabelo bagunçado e sorriso vibrante, acenou com exagero.
"Yo! Eu sou o Pixel. Hacker, mexo com IA, quebro códigos e sou explorador urbano nas horas vagas — o que basicamente significa que pulo de lugares altos e continuo vivo."
Uma risada percorreu a cabine.
A energia de Pixel era impossível de ignorar.
"Se estiver criptografado, eu quebro. Linguagens antigas, sinais de satélite, tecnologia alienígena — manda ver."
Ele lançou um olhar para Sphinx e piscou.
"Sem ofensa, Professor. Vamos ver quem decifra o apocalipse primeiro."
Sphinx arqueou uma sobrancelha, divertido.
"Dou boas-vindas à competição, rapaz. Que vença o melhor algoritmo — ou arqueólogo."
Mais risos. Até a mandíbula de Shade relaxou um milímetro.
Pixel girou em direção ao fundo da cabine e fez uma reverência teatral.
"Ah, e também sei parkour. Então se alguém tentar fugir... eu alcanço. Sem precisar de exotraje."
Ele lançou um olhar brincalhão para Rivet, que apenas sorriu de lado.
A última a se levantar foi uma mulher esculpida em gelo.
Cabelo loiro platinado, curto.
Uniforme impecável.
Movimentos precisos e cirúrgicos.
"Codinome: Mamba," — disse ela com frieza. — "Geneticista. Médica militar. Estou aqui para coletar amostras biológicas, analisar anomalias evolutivas e avaliar ameaças à fisiologia humana."
Seus olhos percorreram a sala como bisturis.
"Esta missão pode exigir... decisões não convencionais. Estou preparada para tomá-las."
A temperatura na cabine caiu um grau.
Nenhuma piada seguiu sua apresentação.
Ren sentiu o estômago se contrair.
Havia convicção em sua fala.
Mas nenhuma compaixão.
Ele trocou um olhar com Doc, que a observava atentamente.
Eram ambos médicos.
Mas mundos à parte.
Mamba voltou ao assento como quem conclui um relatório de campo.
Limpa. Precisa. Sem desperdício de emoção.
Sky virou-se para os demais, o olhar pousando brevemente em Ren.
"Agora vocês conhecem minha equipe. Vão descobrir que são competentes. Leais. E às vezes, um pouco dramáticos."
Pixel fez um cumprimento militar com dois dedos.
"Clima de missão oficialmente estabelecido."
Ren sorriu discretamente, depois deu um passo à frente.
Hora de apresentar o outro lado da expedição.
Ren respirou fundo e deu um passo à frente.
"Ren Wayland. A maioria me chama de Bússola."
Deixou o nome pairar por um instante.
Já não soava como uma piada.
Agora parecia... merecido.
"Estrategista de campo. Pesquisador de culturas antigas. Um pouco imprudente. Um pouco obcecado. Mas sei como encontrar o que foi perdido."
Ele se virou, indicando sua equipe — seu povo.
"E estes são os que estiveram ao meu lado em tempestades de areia, desabamentos de cavernas… e uma máquina de vendas que quase nos matou."
Uma risada seca percorreu a cabine.
Sphinx foi o primeiro a avançar.
Terno alinhado, óculos redondos, a idade dançando no canto dos olhos — mas aqueles olhos continuavam afiados como sempre.
"Sou conhecido como Sphinx. Professor de línguas antigas, mitologia comparada, escrituras esquecidas. Gosto de enigmas... especialmente os enterrados sob cinco milênios de poeira."
Ele lançou um leve aceno para Pixel.
"E estou curioso para ver você tentar."
Pixel abriu um sorriso largo.
"Vamos ver quem decifra o primeiro glifo!"
Em seguida, um homem de traje tecnológico, forrado de sensores e microcircuitos — quieto, esguio, analítico.
"Echo," — disse simplesmente. — "Comunicações. Engenharia de sinal. Tudo o que transmite, decifra ou escuta — é comigo."
Ele fez um gesto com os dedos na direção da mochila-servidor de Pixel.
"Só não sobrecarrega minhas frequências, gênio."
"Só se pedir com jeitinho," — retrucou Pixel.
Então, um passo metálico ecoou.
Uma garota em exotraje bateu uma palma metálica contra o peito e fez continência.
"Rivet. Engenheira, mecânica, piloto. Se quebra — eu conserto. Se não quebra — talvez eu quebre pra melhorar."
Isso arrancou uma risada completa de Thunder, que até então não havia se mexido.
Rivet lhe lançou uma piscadela.
"Relaxa, grandão. Gosto de coisas bem construídas."
Thunder retribuiu com um aceno respeitoso, braços cruzados.
O clima na cabine se suavizou.
Estava funcionando.
Por fim, um homem magro, de mãos delicadas e olhos cansados, deu um passo à frente.
Doc.
Ajustou a alça do estojo médico e acenou discretamente.
"Doc. Médico de campo, biólogo. Se você sangrar, eu estanco. Se algo sangrar em você, descubro se é tóxico antes que desmaie."
Ele olhou na direção de Mamba.
"Parece que não serei o único a catalogar vida lá embaixo."
Por um instante, a expressão de Mamba se alterou — talvez respeito.
Os dois trocaram um aceno silencioso.
Algo não dito passou entre eles.
Falavam línguas diferentes.
Mas talvez... ainda fossem cientistas.
Quando todos terminaram de se apresentar, uma quietude tomou conta da cabine.
Sky voltou ao centro do espaço.
O sol se punha além das janelas, pintando o mar com ouro derretido.
Ela olhou para eles — dez almas a bordo de uma nave rumo a algo além dos mapas.
"Vocês sabem por que estamos aqui."
Sua voz era firme, sem ser alta.
"Porque algo nos chama das profundezas. Não um mito. Não uma lenda. Algo real."
Seu olhar pousou sobre a maleta onde repousavam o Cubo e a Esfera.
"Passamos vidas em salas separadas, por caminhos opostos. Soldados. Hackers. Historiadores. Médicos."
Ela sorriu, suavemente.
"Mas agora... somos uma única tripulação. Uma equipe."
Seus olhos encontraram os de Ren.
"E eu acredito que somos os únicos capazes de fazer isso."
A cabine permaneceu em silêncio.
Então — movimento.
Pixel se inclinou para Echo, sussurrando algo sobre protocolos de malha para submarinos.
Rivet já estava até os cotovelos na caixa de ferramentas, conversando sobre peças com Thunder, que parecia curiosamente interessado.
Sphinx e Mamba permaneceram em lados opostos da cabine — observando. Calculando.
Shade havia desaparecido na direção da cabine de comando, de volta ao silêncio.
Ren olhou para sua equipe.
E para a de Sky.
Sua voz foi baixa — mas firme.
"Trazemos todos de volta. Todos nós. Esse é o acordo."
Rivet virou-se por cima do ombro e sorriu.
"Morrer não estava nos meus planos, chefe."
"Ótimo," — disse Ren. — "Mantenha assim."
Do lado de fora, o oceano se estendia — escuro e sem fim.
Em algum lugar abaixo dele… algo esperava.
A agulha da Esfera não tremia.
Do lado de fora das janelas, o Atlântico reluzia dourado, tocado pelo sol poente.
As nuvens cintilavam como latão derretido e, bem abaixo, o oceano refletia seu fogo.
Dentro da cabine, ninguém falava.
Nem mesmo Pixel mantinha seus habituais murmúrios de comentário.
Cada um estava mergulhado em seus próprios pensamentos, observando a água — ou o próprio reflexo no vidro.
Esperando.
Ren permanecia junto à janela, uma das mãos apoiada levemente no vidro curvado.
O frio se infiltrava em sua pele.
Sob eles —
quilômetros de água.
E mais fundo ainda —
segredos.
Ele sussurrou a palavra, sem pensar:
"Atlântida..."
Seu hálito embaçou o vidro.
"Durante milênios, levamos isso ao pé da letra. Uma cidade engolida pelo mar. Um mito de orgulho e punição. Atlântida… o paraíso condenado."
Atrás dele, Sky se moveu.
Ela se levantou, colocou o tablet de lado e veio se posicionar ao seu lado.
Por um instante, não disse nada.
Apenas observou com ele, expressão indecifrável.
Então murmurou, em voz baixa, quase conspiratória:
"E se não fosse uma metáfora?"
Ren piscou.
"Você quer dizer… Atlântida?"
"Não. Atlas."
Ela não desviou o olhar do horizonte.
"E se Atlas não fosse um homem ou um deus… mas algo geológico?"
Ren virou-se um pouco, intrigado.
"Continue."
A voz de Sky baixou para um sussurro.
"Atlas era dito como aquele que sustentava o céu. Mas em geologia estrutural… o que sustenta a Terra?"
A testa de Ren se franziu.
Algo começava a se encaixar.
"Basalto," — disse quase sem pensar. — "Crosta oceânica. A camada externa da Terra repousa sobre uma fundação densa de basalto."
Sky assentiu lentamente.
"Exato. Atlas não era um titã. Era… a rocha sob nossos pés."
Os olhos de Ren se arregalaram.
O pensamento se assentou em seu peito como uma verdade pesada.
"E Atlântida? Não é uma cidade submersa. Não é algo que caiu. É algo que foi escondido."
A voz de Sky agora era reverente.
"Um vazio sob a crosta. Uma cavidade selada pelo tempo e pela pressão. Uma câmara enterrada sob o peso do oceano."
Eles se encararam.
Não havia necessidade de concluir a frase.
Ela já existia entre os dois.
Um mundo sob o mundo.
Ren girou em direção ao console de mapas.
Seus dedos correram pelo visor sensível ao toque, ampliando os dados batimétricos.
"Ali — olha!"
Seu dedo parou sobre uma cicatriz quase invisível no leito oceânico.
"Dorsal Mesoatlântica. Há uma descontinuidade — uma trincheira anômala, bem na faixa de coordenadas que a Esfera indicou."
Sky inclinou-se sobre o ombro dele.
"Isso… não é uma fenda. Nem é tectônico."
Ela tocou nos dados. As leituras de profundidade pulsavam na tela.
"Há um túnel. Uma câmara. Um espaço oco."
Ren recuou um passo, respirando com força.
"Atlântida não são ruínas. É infraestrutura. Algo antigo… que nunca deveria ser encontrado."
A luz azul da tela pintava seus rostos com tons frios.
Lá fora, o sol quase desaparecera.
O oceano cintilava como tinta.
E sob ele —
respostas.
Ou algo completamente diferente.
Os pensamentos de Ren se afastaram por um instante.
Ele ouviu a voz da mãe, ecoando de tempos distantes:
"Cuidado com o que você persegue, Ren. Algumas verdades não querem ser descobertas."
Ela o havia alertado.
Sobre obsessão.
Sobre cavar fundo demais.
Mas ele não conseguia parar.
Não agora.
O fogo dentro dele queimava forte demais.
Cerrou o punho.
Sem mais medo.
Sem mais hesitação.
Ele se virou para Sky.
Ela viu nos olhos dele —
determinação. Do tipo que não se quebra com facilidade.
"Nós vamos encontrar," — disse ele. A voz baixa, mas sólida como pedra. — "Mesmo que tenhamos que perfurar a espinha do planeta."
Sky esboçou um sorriso torto.
"Assim que se fala, Bússola."
Eles ficaram lado a lado em silêncio, observando o mar escurecer sob seus pés.
E muito abaixo das águas crepusculares,
a Terra esperava para ser aberta.
As luzes da cabine diminuíram.
Lá fora, o Atlântico tornara-se um espelho de tinta.
Sob sua superfície — algo antigo respirava.
Ren estava debruçado sobre a mesa de mapas, os dedos deslizando por sobre camadas digitais.
As linhas batimétricas se torciam como veias, traçando a pele de um gigante adormecido.
"Ali," — murmurou ele. — "Não combina com as grades tectônicas. Isso não é uma falha geológica… é intencional."
Sky se aproximou, ficando ao lado dele.
Juntos, encararam a anomalia — uma trincheira alongada, anormalmente reta.
"As coordenadas se alinham com a última orientação da Esfera," — disse ela, tocando o visor.
"Seja lá o que for… foi enterrado de propósito."
A câmara.
Uma câmara sob a crosta.
Não um mito.
Um mecanismo.
Ren sussurrou:
"Uma porta."
Ele se inclinou mais, o coração disparado.
"Passamos o tempo todo procurando ruínas. Mas e se formos os primeiros a abri-la?"
Atrás deles, os outros permaneciam em silêncio.
Alguns cochilavam.
Outros apenas observavam.
Mas todos sentiam — o chamado de algo vasto e real, logo além do alcance.
Sky quebrou o silêncio, a voz baixa:
"Você acha que eles sabiam que viríamos?"
"Quem?"
"Os que construíram isso. Os que deixaram o Cubo. A Esfera."
Ren pensou por um momento.
"Talvez esperassem que alguém viesse. Talvez tenham deixado um aviso."
Ele voltou a olhar pela janela.
O mar havia perdido seu brilho.
Agora parecia pedra — negro, absoluto.
"Quando eu era criança," — disse ele, — "minha mãe costumava me contar histórias para dormir."
Sua voz era suave, mas firme.
"Não as boas. As antigas. Histórias sobre saber proibido. Portas que não deveriam ser abertas. Aquelas lendas que terminam no silêncio."
Sky se virou para ele, curiosa.
"E ela acreditava nelas?"
Ren assentiu.
"Ela acreditava que certas verdades são perigosas. Que se cavar fundo demais, a Terra se lembra."
Pausa. A mandíbula se contraiu.
"Ela morreu numa escavação. Um colapso de falha geológica na Anatólia. Estava tentando decifrar uma linguagem esquecida."
Ele não disse mais.
Não precisava.
Sky pousou a mão sobre o console.
"Eu não sabia."
Ren balançou a cabeça.
"Ela não teria parado, mesmo se soubesse. Era como eu."
Ele ergueu o olhar — os olhos já não hesitavam.
"E eu também não vou parar."
A tela vibrou. Coordenadas travadas.
Profundidade estimada: treze quilômetros.
Estabilidade sísmica: incerta.
Abaixo deles — pressão, escuridão… e um enigma esperando para ser quebrado.
A voz de Sky era firme.
"Então vamos. Até o fim."
Ren sorriu de leve.
"Já estamos caindo."
Por um longo momento, a cabine prendeu a respiração.
Então: um lampejo na Esfera dentro da maleta.
Um pulso.
Suave.
Azul.
Echo levantou os olhos. Pixel congelou no meio de uma digitação.
A Esfera girou.
A agulha apontou.
Para baixo.
O mar estava anormalmente calmo — um espelho de vidro derretido sob um sol poente, marcado por hematomas no céu.
Sem ondas. Sem ondulações. Sem um sussurro de vento.
Mas acima dele, a tensão vibrava no convés do navio de pesquisa como um fio esticado prestes a se romper.
Ren “Bússola” Wayland estava ao lado de Skylar Montgomery, perto da amurada de proa, ambos em silêncio, enquanto o submersível
Atlas
era baixado rumo à superfície.
Cabos de aço gemiam. O braço da grua estalava. A cápsula reforçada, com forma de lágrima e coberta de luzes e instrumentos, afundava no oceano com um chiado pesado de vapor e respingos.
Atrás deles, o restante da expedição observava.
Geólogos. Biólogos. Engenheiros. Hackers. Soldados.
Duas equipes, antes rivais — agora fundidas pelo mistério, pelo desespero e por algo mais antigo que qualquer mito.
"Submergindo. Profundidade: dez metros."
A voz de Echo crepitava pelos comunicadores no console de controle.
Os dedos de Sky se apertaram na amurada enquanto ela se inclinava para frente.
Seu cabelo tremulava ao vento como a ponta rasgada de uma bandeira.
Ren permanecia imóvel. Focado. Ouvindo.
"É agora," — sussurrou Sky. — "O momento em que a história se torna real."
Ren assentiu levemente, mas sua mandíbula estava tensa.
Pensamentos giravam sob sua superfície calma.
Havia um zumbido no peito — não exatamente medo, mas instinto.
Uma voz antiga e silenciosa o advertindo:
Está lá embaixo. Algo está esperando.
O cubo ainda pendia ao seu lado, preso em uma bolsa protetora.
Não piscava nem pulsava desde a decolagem — mas os havia trazido até ali.
Não aproximadamente.
Com precisão absoluta.
E isso, de alguma forma, era o mais inquietante de tudo.
"Quinhentos metros," — chamou Echo novamente. — "Baixa visibilidade. Luzes externas ativadas. Velocidade de descida estável."
O sol mergulhou sob a linha do horizonte.
A escuridão engoliu o céu.
A única luz vinha das telas de controle e de tiras vermelhas de segurança.
"Aproximando da profundidade-alvo," — disse Echo. — "Coordenadas travadas."
O navio mergulhou novamente no silêncio.
Sem murmúrios. Sem passos.
Apenas o leve bater da água contra o casco.
Sky se inclinou ainda mais, falando tão baixo que Ren mal conseguiu ouvir.
"Você já pensou que talvez… a gente tinha que encontrar isso?"
"Quer dizer destino?"
"Não," — respondeu ela. — "Projeto."
Ren refletiu — sobre a ideia de que alguma inteligência queria que essa descoberta acontecesse.
E isso o fez sentir mais frio que o vento.
"Se isso for uma porta," — disse finalmente, — "não fazemos ideia do que há do outro lado."
Sky esboçou um sorriso discreto.
"Vamos abrir mesmo assim."
Ren olhou para trás, para os outros.
Pixel estava sentado de pernas cruzadas, digitando algo furiosamente em seu tablet.
Thunder permanecia como uma estátua ao lado de Rivet, que murmurava sobre a matriz de sensores de um drone.
Até mesmo Mamba estava em silêncio, observando tudo com os braços cruzados e os lábios comprimidos, como uma juíza num tribunal.
Eles não eram céticos.
Eram crentes.
E os crentes vão mais fundo que todos os outros.
"Oitocentos metros," — veio a voz de Echo. — "Fundo à vista. Iniciando varredura sonar."
Ren se aproximou do monitor.
Uma imagem borrada formava-se na tela:
Um leito marinho plano. Sedimentar. Sem traços.
Um instante.
Então:
"Estamos nas coordenadas."
"Mas…"
"...não há nada aqui."
Nenhuma ruína antiga. Nenhuma geometria alienígena.
Nenhuma abertura misteriosa.
Apenas… silêncio.
No convés, ombros caíram.
Pixel congelou.
Rivet praguejou baixinho.
Sky apertou o corrimão com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos.
"Isso não pode estar certo. Verifique de novo. Tem que haver algo."
A voz de Echo voltou, mais baixa:
"Confirmado. Localização bate perfeitamente. Sem estruturas. Sem anomalias."
Seguiu-se um longo silêncio.
A mão de Ren foi até o cubo novamente.
Ainda quente.
Ainda firme.
Ainda apontando para baixo.
Imóvel.
Inabalável.
Ele fechou a mão sobre ele.
E esperou.
"Espera,"
A voz de Echo voltou — tensa, incerta.
"Tem algo... estranho."
Todos se viraram para o console.
Rivet se inclinou sobre a tela ao lado de Echo, franzindo a testa.
"O sonar está captando inconsistências," — murmurou. — "A densidade não corresponde às leituras esperadas. Olha essa camada aqui."
Ren se aproximou.
A imagem já não estava estática.
Abaixo do leito marinho liso, uma sombra havia surgido — tênue, elíptica, mais profunda do que o sedimento macio permitiria.
"O que é isso?" — perguntou Sky.
"Rocha dura… depois uma queda de densidade. Como uma câmara oca sob a crosta," — disse Rivet.
"Enterrada?" — perguntou Ren.
"Parece que sim," — confirmou Echo. — "Se há algo aqui, está sepultado sob toneladas de sedimento. Deliberadamente."
Por um longo momento, ninguém disse nada.
Um fundo do mar tão liso assim… não acontecia por acaso.
Foi… apagado.
A expressão de Sky mudou — não surpresa, mas confirmação.
"Ainda está aqui," — sussurrou. — "Só que... mais fundo."
Os olhos de Ren se estreitaram enquanto o sonar se recalibrava.
O que antes parecia vazio… escondia algo.
"Atlas, mantenha posição," — ordenou Ren.
"Precisamos de uma varredura completa com resolução máxima."
"Entendido."
Os sensores do submersível mudaram de modo.
A névoa do oceano floresceu em gradientes oscilantes.
Eles viam não com luz, mas com vibração.
Aos poucos, algo se revelou —
Uma curvatura maciça, como uma caixa torácica enterrada na terra.
"Ali," — disse Sky. — "Está vendo?"
"Sim," — murmurou Ren. — "Isso não é natural."
"Também não é uma estrutura," — acrescentou Rivet. — "É uniforme demais para ser geológico, mas não foi construído como paredes de pedra."
"Como uma concha," — sugeriu Echo.
"Uma escotilha," — propôs Pixel ao fundo, agora de pé atrás deles.
"Uma entrada selada. Talvez ativada por pressão."
A ideia atingiu Ren como um jato de água gelada.
"Nunca foi feito para ser encontrado facilmente," — disse.
"O que significa," — acrescentou Sky, — "que foi feito para ser escondido."
O trovão ribombou ao longe — distante, fraco, mas presente.
Ren olhou para o mar.
A superfície permanecia calma, mas a escuridão sob ela fervilhava de mistério.
Ele se virou para a equipe.
"Vamos precisar perfurar," — disse. — "Devagar. Controladamente. Se avançarmos rápido demais, arriscamos desestabilizar a camada superior."
"Posso montar uma estrutura de perfuração de precisão," — disse Rivet, já calculando. — "Disrupção mínima."
"Vamos ancorar aqui," — continuou Ren. — "É aqui."
Ninguém protestou.
Ninguém hesitou.
Tinham ido longe demais.
Sky olhou para ele — não como financiadora, nem como líder. Mas como algo mais.
Uma igual.
Uma parceira na descoberta.
"Você sente isso?" — perguntou ela.
Ren assentiu.
"Não é só pressão. É... presença."
E era.
Um peso silencioso no ar.
Uma tensão como a que precede uma tempestade — invisível, elétrica.
O cubo pulsou novamente ao lado de Ren.
Ele o desenganchou e o segurou na mão.
Tremia.
Lá embaixo, o mar já não estava em silêncio.
O silêncio tinha forma.
E estava ouvindo.
O oceano estava assustadoramente calmo —
como se a própria água prendesse a respiração.
Acima da superfície imóvel, o navio de pesquisa fervilhava de atividade.
Módulos giravam em guindastes hidráulicos, luzes piscavam, e ordens soavam cortantes e precisas pelos comunicadores.
Lá embaixo, no fundo do mar, um novo mundo estava sendo construído.
"Drone três, gire o eixo quatro. Estamos fora do alinhamento por dois graus."
A voz de Rivet estalava pelo comunicador. Ela estava sentada no console central, os olhos dançando entre os fluxos ao vivo, os dedos deslizando pelos controles como os de uma pianista de concerto.
Braços mecânicos moviam-se em perfeita harmonia.
Feixes de solda brilhavam sob a água.
Cabos se encaixavam no lugar como serpentes obedientes.
"Belo toque, Rivet," — murmurou Pixel de uma estação próxima, sorrindo.
"Você está dando alma pros bots."
"Eles têm mais coordenação do que alguns de nós," — rebateu ela.
"Só talvez não tantos vícios."
Acima, a voz de Thunder cortou o silêncio — firme, baixa, confiante.
"Plataforma de sustentação alinhada. Iniciando descida."
De sua estação, Thunder dirigia o submersível de carga pesada, guiando componentes estruturais massivos com uma precisão inabalável.
Para Ren, observando do convés de observação, parecia assistir uma orquestra se afinando antes da apresentação —
exceto que o palco deles estava a oitocentos metros de profundidade, e um erro custaria mais que uma nota fora do tom.
Essa não era uma missão comum.
Era um avanço cravado no coração do mito.
Peça por peça, a estrutura tomava forma.
Primeiro a armação. Depois a carcaça reforçada.
Em seguida, os compartimentos internos — laboratórios, módulos habitacionais, núcleos de controle.
E, finalmente, o coração de tudo: o conjunto de perfuração, apontado como uma lança rumo ao desconhecido.
"Estamos quase prontos," — disse Sky calmamente ao lado dele, as mãos para trás.
"Tudo isso — anos de pesquisa, milhões em financiamento, perseguindo sombras — se resume a um único buraco no chão."
Ren não respondeu de imediato.
Estava observando o último anel de suporte sendo baixado.
"Às vezes," — murmurou, — "só se encontra a verdade rompendo o silêncio."
Mas o silêncio ainda não tinha terminado com eles.
De repente:
"O módulo C4 está à deriva!" — a voz de Rivet explodiu com urgência.
"Corrente submarina — desvio para leste!"
Na tela, o módulo girava, inclinando-se —
os braços de ancoragem escapando do alinhamento.
Uma colisão direta com o estabilizador era questão de segundos.
"Segurem," — respondeu Thunder com calma.
"Redirecionando cápsula de ancoragem."
O submersível rugiu ao entrar em ação —
braços sustentando a unidade em deriva pelo lado oposto.
Por um instante, foi um balé de força bruta e precisão.
A água girava.
O metal rangia.
"Trava!" — disparou Rivet.
"Agora!"
"Estabilizado," — confirmou Thunder.
Todos soltaram o ar que nem sabiam estar prendendo.
"Juro," — resmungou Rivet ainda no controle, — "mais uma dessas e vou exigir adicional de periculosidade."
"Eu teria feito live com contagem regressiva," — acrescentou Pixel, com tom leve, desfazendo a tensão como só ele sabia fazer.
"Bem-vindos a Profundezas: O Reality Show. Em breve no seu stream favorito."
Uma risada contida percorreu a cabine.
Ren sorriu discretamente.
Mesmo no caos —
eles se moviam como um só.
E isso o enchia de orgulho.
Eles não eram soldados.
Nem mesmo exploradores.
Eram construtores —
de algo que nenhum humano jamais ousara tocar.
Abaixo deles, os holofotes se acenderam.
A estrutura brilhava na escuridão.
Uma cúpula de aço e propósito, assentada no leito oceânico como uma embaixada alienígena.
E no centro dela,
o equipamento de perfuração aguardava —
a ponta de titânio reluzindo como o vértice de uma profecia.
"Sistemas verdes," — informou Echo pelo comunicador.
"Energia estável. Iniciando sequência."
Momentos depois, a broca ganhou vida.
Um zumbido grave percorreu as paredes.
Do lado de fora, o fundo do mar tremia enquanto a ponta rasgava a Terra —
triturando silte, areia e história ao mesmo tempo.
Nos monitores, o sedimento florescia em espirais lentas.
Cada metro era uma história.
Cada camada, um sussurro do esquecido.
Sphinx se inclinou na direção do fluxo de dados, murmurando para si mesmo.
Ao seu lado, Doc observava o progresso da broca com um olhar que misturava curiosidade e cautela.
"Estamos cortando o próprio tempo," — disse Sphinx, olhos arregalados.
"E tudo o que já viveu nele," — completou Doc, em voz baixa.
Sob a base, a Terra se abria.
E acima dela, o silêncio cedia —
à vertigem do movimento.
A perfuradora gritou.
Mesmo através de metros de ligas metálicas, barreiras de pressão e silêncio, o som encontrava caminho até os ossos.
"Profundidade: vinte metros… trinta… cinquenta," — relatou Echo do terminal de controle.
"Carga estável. Nenhuma resistência por enquanto."
Dentro da central de observação, todos os olhos estavam na tela.
Até Pixel parara de fazer piadas.
O ambiente pulsava no ritmo das máquinas.
Um zumbido baixo.
Uma vibração no piso.
Uma contagem regressiva para a descoberta.
Então—
um tranco.
Toda a estrutura estremeceu. Não perigosamente—
mas o bastante para provocar olhares tensos.
"Pico de resistência," — confirmou Echo.
"Densidade do material em elevação."
"Qual é a leitura?" — perguntou Sky.
"Basalto," — veio a voz do analista geológico no comunicador.
"Compactado. Pode ser fluxo de lava ancestral."
"Ou blindagem," — murmurou Sphinx do seu assento, quase para si mesmo.
"Talvez quisessem que permanecesse enterrado."
"Ou alguém quis," — completou Doc com gravidade.
"Que se dane isso," — cortou a voz de Rivet, firme e pronta.
"Trocando a ponta. Me dá dez minutos."
Ela já estava no meio do corredor rumo à escotilha de manutenção.
Quando a nova ponta — reforçada com titânio e gravada a laser — ficou pronta, o alerta de temperatura começou a piscar.
"Superaquecimento?" — perguntou Ren.
"Sistema de refrigeração no limite," — respondeu Pixel, os dedos dançando sobre o painel.
"Vou redirecionar o regulador térmico — me dá trinta segundos."
"Faz em vinte," — gritou Rivet de baixo.
Alarmes piscaram brevemente em vermelho—
e depois sumiram, à medida que Pixel invadia o sistema.
"Estamos bem," — disse ele, sorrindo.
"Mais frios que pepinos-do-mar."
A voz seca de Rivet cortou:
"Lembra de desconectar tuas metáforas na próxima manutenção."
"É isso que me torna adorável," — devolveu Pixel com leveza.
Até Echo soltou um leve riso —
um som raro em alguém quase feito de fios e silêncio.
Mas nem todos estavam divertidos.
Dentro da câmara principal, andando como uma predadora em jaula, estava Mamba.
Ela se movia em passos curtos e calculados, as mãos cruzadas nas costas, os olhos cravados na tela central da perfuradora.
"Nesse ritmo," — murmurou, — "acabamos no próximo século."
Ren, de pé por perto, lançou um olhar para Sky.
Ela permanecia imóvel, braços cruzados, expressão neutra —
mas os dedos tamborilavam discretamente na lateral do corpo.
Mamba virou-se bruscamente.
"Temos o equipamento. As coordenadas. Os cálculos. Por que estamos andando a passo de tartaruga?"
"Porque não queremos morrer cavando o desconhecido," — respondeu Sky sem virar a cabeça.
"Essa missão não é só sobre alcançar algo —
é sobre sobreviver ao que encontrarmos."
"Está parecendo uma política," — retrucou Mamba.
"Não viemos pra hesitar. Viemos pra evoluir."
"E evolução não vem de escavar às cegas," — disse Ren com calma, dando um passo à frente.
A sala silenciou.
Até Thunder, que estava discretamente verificando medidores de pressão, parou para ouvir.
"A cada metro que perfuramos, reescrevemos a história," — continuou Ren.
"Se formos rápido demais, podemos ignorar os sinais de alerta."
Mamba não respondeu.
Mas seu maxilar travou.
Forte.
Ela se virou —
e voltou a encarar a perfuradora giratória, os olhos ardendo.
A tensão não se desfez.
Mas se assentou.
Enroscada, como uma corrente à espreita.
Horas se passaram.
E a perfuração continuava.
Descendo. Incansável.
"Sessenta metros," — relatou Echo.
"Descida contínua."
"Temperatura estável," — acrescentou Pixel.
"Densidade constante," — veio a voz da equipe de subsensores.
No silêncio entre os relatórios, Sphinx se inclinou em direção a Doc.
"Você sente isso?"
"O quê?"
"O silêncio," — sussurrou o velho professor.
"Ele... está diferente."
Doc não respondeu.
Apenas olhou para as leituras—
e assentiu.
Sob eles, nas camadas escuras da Terra intocadas pelo tempo,
algo estava se movendo.
Não pedra.
Não máquina.
Ainda não.
Mas algo.
Ren observava a perfuradora, sentindo seu pulso vibrar no peito.
Ele não piscava.
"Estamos perto," — sussurrou.
Sky, ao seu lado, ouviu.
E não questionou.
O momento chegou no quarto dia.
Um guincho metálico rasgou o poço de perfuração — e então, de repente, a broca cedeu para frente, mergulhando no vazio. O torque despencou.
"Temos contato!"
A voz de Echo estalou pelos comunicadores, aguda de empolgação.
"A broca acabou de atravessar — a pressão caiu. Atingimos uma cavidade!"
Por um segundo, reinou o silêncio.
E então —
explodiu.
Gritos. Palmas. Risadas.
Tapas nos ombros. Abraços. Punhos erguidos no ar.
Eles conseguiram.
A primeira barreira estava vencida.
"Silêncio geral!"
A voz de Ren cortou a celebração como um bisturi.
"Echo, relatório. Agora."
Echo já examinava os dados.
"Profundidade: aproximadamente três quilômetros. Pressão estável… espera…"
Ele parou.
"Estamos recebendo amostras de ar do poço. Oxigênio e nitrogênio — quase idênticos à atmosfera da superfície."
O silêncio voltou com força.
Doc deu um passo à frente, apertando os olhos diante do monitor.
"Um ecossistema selado, a três quilômetros de profundidade… e ainda funcional?"
Ele esfregou a barba, visivelmente inquieto.
"Se esse ar for respirável… muda tudo."
"Espera aí…"
Pixel se inclinou sobre o painel ao lado.
"Queda de temperatura. E… traços de bioaerossóis no fluxo de ar."
"Que tipo de bioaerossóis?" — a voz de Doc ficou tensa.
"Esporos. Talvez pólen. Algum tipo de material orgânico suspenso."
Os dedos de Pixel dançavam nos controles.
"Alta concentração."
Mamba já se movia antes que ele terminasse.
Caminhava pelo laboratório com o olhar aceso, como o de uma caçadora.
"Composição química?" — exigiu.
"Sinais de atividade microbiana? Precisamos de amostras. Agora."
"Um momento," — Doc levantou a mão, expressão firme, porém calma.
"Não sabemos com que tipo de risco estamos lidando. Patógenos, toxinas..."
"Exatamente por isso é que precisamos dessas amostras em contenção," — rebateu Mamba com frieza.
"Abram a válvula de coleta. Eu mesma faço a extração."
Ela já vestia o equipamento — respirador, luvas seladas, cada movimento executado com precisão treinada.
Sky olhou para Ren, expressão indecifrável.
Ele assentiu brevemente.
Não havia mais volta.
Eles tinham que entender o que havia lá embaixo — antes de descer.
Em minutos, vários cilindros herméticos estavam cheios com o ar extraído diretamente da fenda.
Mamba os segurava como relíquias preciosas.
"Primeiras amostras da Atlântida," — murmurou, os olhos brilhando.
Doc ergueu um dos frascos contra a luz.
Mesmo a olho nu, o conteúdo cintilava — partículas finas dançando no feixe como poeira estelar.
"Muito bem então," — disse Ren por fim, rompendo o silêncio.
"Hora de vermos com os próprios olhos."
Sua voz era controlada — quase calma demais.
Mas todos ouviram o que havia por trás:
tinham esperado por esse momento por quatro longos dias.
Sky aproximou-se do comunicador.
"Base para navio de superfície. Entrada confirmada.
Equipe principal de pesquisa iniciando a descida."
Ela se virou para os demais.
"Preparem-se.
Daqui em diante, a expedição entra em sua próxima fase."
Eles se equiparam rapidamente.
Exotrajes leves. Tanques de oxigênio. Capacetes selados.
Ferramentas. Lanternas. Instrumentos. E um pouco de medo.
A estrutura da perfuradora já havia sido adaptada para funcionar como um elevador improvisado — uma gaiola de aço presa ao cabo principal, com capacidade para dez pessoas por vez.
Ren foi o primeiro a entrar, as mãos firmes nos controles.
O motor roncou.
A plataforma estremeceu — e começou sua lenta descida pelo túnel recém-aberto.
Minutos pareceram horas.
O silêncio era tenso.
O único som: o rugido do guincho e a respiração abafada dentro dos capacetes.
Os feixes das lanternas tremiam contra as paredes do poço.
As sombras se retorciam em aço e pedra.
Ren olhou ao redor para sua equipe.
Sky segurava com força o corrimão lateral. Seu rosto estava oculto, mas os nós dos dedos estavam brancos.
Sphinx permanecia imóvel, mas sua respiração era rápida — rápida demais.
Doc sussurrou algo em voz baixa.
Uma oração?
Mamba tocou o cilindro preso ao quadril, os olhos inquietos.
Pixel mexia nos ajustes de seu equipamento, murmurando:
"Bem-vindos ao abismo..."
Echo ajustava o feed da câmera, verificando o uplink pela terceira vez.
Thunder permanecia imóvel como uma rocha. Ancorado. Pronto.
E Shade — como sempre — permanecia em silêncio, meio fora da luz. Observando. Medindo a escuridão.
A plataforma parou com um solavanco.
Luzes intensas se acenderam, iluminando o final arredondado do poço.
A rocha perfurada brilhava úmida — as paredes lisas como vidro fundido.
À frente, abria-se um túnel.
Perfeitamente circular.
Negro como breu.
"Chegamos," — disse Ren em voz baixa, sendo o primeiro a sair.
Ele ergueu uma mão — cautela —
e cruzou a linha para dentro da escuridão.
As lanternas tremeluziram contra as paredes de obsidiana.
Lisas demais para erosão.
Perfeitas demais para serem naturais.
"Isso não foi escavado," — murmurou Sky logo atrás.
"Foi… construído."
Os outros seguiram, fachos cortando a escuridão como lâminas.
Seus passos ecoavam no corredor — amplificados pelo vazio.
O ar era frio. Imóvel.
Sem mofo.
Sem podridão.
Sem vida.
Apenas poeira antiga sob os pés.
O túnel se alargava.
As paredes curvavam-se para fora.
E então — de repente — o vazio.
A equipe tropeçou para dentro de uma caverna tão vasta que suas luzes sumiram na escuridão.
"Ativem as luzes auxiliares," — ordenou Sky, firme.
Uma dúzia de holofotes se acendeu de uma vez.
E o que viram… tirou-lhes o fôlego.
Os holofotes atravessaram a escuridão —
— e revelaram o impossível.
Uma caverna se abria diante deles, vasta o suficiente para engolir um arranha-céu inteiro.
As paredes brilhavam com um reflexo vítreo, como se fossem revestidas de obsidiana ou vidro vulcânico.
Estalactites pendiam do teto como os dentes de uma besta adormecida — mas nenhuma parecia natural.
Simétricas demais. Deliberadas demais.
Não era uma caverna.
Era uma câmara.
Uma câmara projetada por alguém.
"Meu Deus..." — a voz de Sphinx tremia no comunicador.
"Isto... isto não é geologia. É arquitetura."
Avançaram como um só — com cuidado, com reverência.
O chão sob suas botas era liso, levemente côncavo, como se os guiasse suavemente para o centro.
No meio do espaço, um brilho fraco pulsava.
"Fonte de luz à frente," — disse Echo.
"Não elétrica. Origem desconhecida."
Ren foi o primeiro a se aproximar, varrendo o chão com a lanterna.
Linhas tênues surgiram — como circuitos.
Padrões gravados percorriam a pedra em traçados delicados, convergindo para o centro.
No coração da sala, havia um pedestal.
E sobre ele...
Um trono?
Não — não era um assento.
Era um berço.
Feito da mesma pedra negra e vitrificada.
E ali repousava algo — meio oculto por poeira e tempo.
"É... um sarcófago," — disse Sky, quase sem ar.
Ren assentiu devagar.
Não era egípcio.
Nem maia.
Nem nada conhecido.
Aproximou-se mais e limpou parte da poeira.
Mais símbolos.
Familiar… e não.
Escrita suméria ao lado de hieróglifos.
E abaixo disso, algo diferente — linhas curvas, como filamentos fúngicos.
O símbolo novamente.
O cérebro entrelaçado com fios de micélio.
"São eles," — sussurrou Pixel.
"O mesmo do cubo. E da esfera."
"E do Portal," — acrescentou Sky.
"Isso deve ser um centro nevrálgico," — murmurou Ren.
"Não apenas uma sala. Um... santuário? Um centro de comando?"
Sphinx ajoelhou-se junto à base do pedestal, traçando os entalhes com os dedos enluvados.
"Essas línguas não deveriam coexistir," — murmurou, a voz embargada de espanto.
"Mas aqui estão. Reescritas. Unificadas."
"Como se alguém quisesse garantir que qualquer um — de qualquer época — pudesse ler isso," — disse Sky, de pé ao lado dele.
"Independentemente de quando chegasse."
"Ou...
algo
quis," — disse Ren.
"Algo antigo. E ainda à espera."
Um tremor fraco percorreu o chão.
Quase imperceptível.
Como se o mundo tivesse soltado um suspiro.
"Mais alguém sentiu isso?" — perguntou Doc.
"Atividade sísmica?" — a voz de Mamba soou tensa.
"Nenhum movimento registrado," — respondeu Echo.
"Não veio de cima. Veio de... baixo."
Eles ficaram imóveis por longos segundos, ouvindo.
Nada além do silêncio.
E então—
"Estou recebendo novas leituras," — chamou Pixel.
"Algo está despertando. Traços de energia. É como se... todo esse lugar fosse um capacitor, e acabássemos de acionar o gatilho."
A luz no centro pulsou novamente — mais forte desta vez.
E agora, tinha um ritmo.
Um batimento.
Ren olhou para Sky.
"Abrimos alguma coisa."
"Já passamos do ponto sem retorno," — respondeu ela.
"Então seguimos em frente," — disse ele.
Ela assentiu uma vez.
"Equipe, em formação. Protocolo de varredura completo. Ninguém se afasta.
Tratem este lugar como se estivesse vivo — porque pode estar."
As palavras pairaram pesadas no ar.
E, à medida que avançavam pela câmara, guiados por luz e instinto,
as paredes pareciam escutar.
Observar.
A segunda camada fora rompida.
Mas o que jazia sob ela...
apenas começava a despertar.
Eles estavam à beira de uma imensa caverna subterrânea.
Sua altura e largura eram impossíveis de medir —
a escuridão engolia tudo.
Mas dezenas de cristais maciços, agrupados no teto como constelações congeladas,
quebravam a luz em mil reflexos, espalhando-a como estrelas estilhaçadas.
Acima de suas cabeças, o dossel cristalino cintilava como um céu oculto.
Mas não era isso que os deixava sem palavras.
Sob seus pés —
na penumbra cintilante da caverna —
se estendia uma cidade ancestral.
Esculpida diretamente na rocha, uma larga escadaria descia da plataforma onde estavam,
conduzindo ao coração das ruínas.
O que viam desafiava a razão.
E, ainda assim —
era magnífico.
Torres. Colunatas. Pirâmides. Zigurates. Templos.
Estilos arquitetônicos de todas as eras conhecidas — egípcia, suméria, helênica —
e outros sem origem conhecida,
fundiam-se em um mosaico de tirar o fôlego,
uma civilização erguida além dos limites do tempo.
No centro da cidade, reinava a escuridão.
Apenas um brilho fraco dos cristais revelava contornos indefinidos.
Sem tochas. Sem luzes. Sem movimento.
Mas a cidade não parecia abandonada.
Parecia... adormecida.
À espera.
Ninguém disse nada.
Até que Pixel quebrou o silêncio com uma risada nervosa.
Ele tirou o capacete, os olhos arregalados.
"Nós... nós realmente encontramos..."
A voz de Sky tremia enquanto ela também removia o capacete,
prendendo a respiração.
"Atlântida," — sussurrou.
"Estamos de pé em Atlântida."
Sphinx deu um passo à frente, a voz rouca e carregada de emoção.
"Bem-vindos à história, meus amigos..."
"Nunca imaginei viver para ver isso."
Lágrimas cintilavam nas rugas de seu rosto envelhecido.
Bússola direcionou o feixe da lanterna pela primeira rua.
As sombras de estátuas e colunas partidas pareciam se contorcer à medida que a luz se movia,
como se a cidade estivesse sonhando, prestes a despertar.
"Descemos," — ordenou ele, com voz baixa, mas firme.
Eles seguiram sem hesitar.
Cada degrau naquela escadaria era como pisar em solo sagrado.
Ninguém falava.
O silêncio se tornava mais pesado a cada metro.
Como se a cidade escutasse.
Espalhados pelo caminho de pedra lisa, havia artefatos:
braceletes de ouro, cálices de prata, cerâmicas quebradas.
Intactos. Intocados.
Como se as pessoas tivessem desaparecido no meio de uma frase.
Sphinx se abaixou e pegou uma placa fina de ouro com símbolos gravados.
"Letras gregas... e escrita cuneiforme suméria," — murmurou.
"Juntas, no mesmo artefato... como ecos de todas as civilizações reunidos aqui."
Echo varreu seu feixe sobre uma pilha de moedas aos pés de uma estátua desgastada.
"Todos os tesouros do mundo," — sussurrou.
"Apenas jogados aqui, como poeira esquecida."
Rivet estendeu a mão e tocou um baixo-relevo rachado, sua voz baixa e inquieta.
"Por que deixariam tudo isso pra trás? Ouro assim... vale bilhões."
A voz de Thunder veio firme atrás dela.
"Talvez o ouro não tivesse valor pra eles. Ou talvez... planejassem voltar."
"Mas não voltaram," — disse Mamba, fria e objetiva.
"Algo os impediu."
Eles chegaram a uma praça ampla.
De todos os lados, erguiam-se estátuas —
de deuses, de heróis, algumas reconhecíveis,
outras pareciam tiradas de sonhos... ou de mitos esquecidos.
Sphinx parou diante de uma grande laje de mármore.
Ergueu a lanterna. Os entalhes brilharam.
"Aqui — olhem," — chamou.
"Estas são cenas do mito de Teseu e o Minotauro."
Gravada na pedra estava a figura de um guerreiro, espada em riste,
erguendo-se sobre uma besta caída.
Mas os detalhes... eram estranhos.
O rosto de Teseu parecia moderno demais,
sua armadura afiada e angular — quase sintética.
E nas paredes do labirinto, em vez dos tradicionais meandros,
havia símbolos complexos —
esquemas.
Plantas técnicas.
"E este aqui!" — a voz de Doc era carregada de incredulidade.
"Hércules, matando a Hidra... mas olhem — as cabeças..."
"São mecânicas."
Sphinx caminhava de parede em parede, a lanterna tremendo em sua mão.
"Deuses olímpicos... esses afrescos..."
"E se a mitologia não for ficção?" — sussurrou.
"E se for memória?"
"A memória de Atlântida..."
O deslumbramento começou a rachar —
cedendo espaço a algo diferente.
Algo mais frio.
Algo que esperava.
Eles estavam no centro da praça.
Acima deles, a luz cristalina cintilava sobre estátuas de deuses —
Zeus com trovões nos olhos,
Anúbis vigiando portas esquecidas,
e uma mulher com um cocar em espiral segurando algo que parecia quase... digital.
Cada figura se erguia, silenciosa e imensa,
observando-os.
Pixel murmurou:
"Esse lugar parece um museu construído por viajantes do tempo..."
Sphinx não riu.
Estava absorvido demais.
Deslizava pelas paredes como um homem em transe,
lendo em voz baixa outro painel de pedra:
"Eles escreveram sobre o ‘Grande Silêncio’," — sussurrou, os dedos seguindo as linhas.
"‘Quando a voz profunda se erguer, os portões jamais deverão ser abertos…’"
Sua respiração falhou.
"Isso é acádio. Mas está lado a lado com… hieróglifos. Isso não devia ser possível."
Bússola varreu lentamente a praça com os olhos.
Estátuas. Afrescos. Símbolos que ninguém vivo poderia decifrar.
E, no entanto, estavam ali —
claramente construídos, não imaginados.
Sky manteve-se por perto, o olhar explorando a arquitetura.
"É como se alguém tivesse construído isto... como um ponto de convergência," — disse em voz baixa.
"Não só uma civilização — muitas. Como se todas conhecessem este lugar."
"Ou tivessem sido trazidas até aqui," — murmurou Bússola.
"Para testemunhar algo. Ou protegê-lo."
Doc parou ao lado de um obelisco rachado.
Esculpidos em sua superfície, havia círculos concêntricos,
como um cérebro,
mas com ramificações —
como veios fúngicos.
Ele se virou para Sphinx:
"Está vendo?" — perguntou.
"Isso já não é apenas mitologia."
"Nunca foi," — respondeu Sphinx.
"Apenas esquecemos como lê-la."
Atrás deles, a voz de Mamba cortou o ar — afiada e precisa:
"Este lugar não é um santuário," — disse.
"É uma zona de contenção."
Todos se viraram.
Ela avançou para o centro da praça, as botas ecoando.
Seus olhos analisavam a imobilidade com frieza clínica.
"Sem pessoas. Sem decomposição. Sem cadáveres."
"Algo interrompeu a vida aqui. E seja lá o que for... ainda está funcionando."
Thunder assentiu lentamente ao seu lado.
"Eles não abandonaram isso. Foram apagados."
Sphinx balançou a cabeça, relutante:
"Ou se tornaram parte dele," — disse em tom baixo.
"Não há poeira. Nem desgaste. A cidade está... preservada."
"Preservada não significa segura," — retrucou Mamba.
"Significa que foi selada."
O sorriso de Pixel desapareceu.
Ele desligou a câmera.
Pela primeira vez desde que haviam entrado na cidade,
ninguém falou.
Permaneceram sob a luz cristalina,
sob as estátuas silenciosas e os entalhes indecifráveis,
e algo na quietude mudou.
Bússola sentiu.
Não era apenas admiração agora.
Era presença.
A cidade observava.
Sky quebrou o silêncio primeiro, a voz firme:
"Continuamos. Ainda há mais a descobrir."
Bússola assentiu, mas não se moveu de imediato.
Olhou para cima —
para as torres sombrias,
para as culturas fundidas,
para a precisão impossível.
Atlântida havia retornado.
E ela estivera esperando por eles.
"Esperem," — disse Rivet com firmeza, erguendo a mão.
A equipe parou imediatamente. O feixe de sua lanterna perfurou uma alcova sombreada à direita. O que antes parecia apenas entulho começou a tomar forma — montes escuros, estranhamente uniformes.
Ao se aproximarem, um silêncio coletivo caiu sobre o grupo.
Sapatos.
Pilastras e mais pilastras de sapatos.
Centenas. Milhares.
Dispostos com cuidado, como se alguém os tivesse arrumado com respeito. Havia sandálias minúsculas, botas gastas, chinelos delicados. Calçados de todos os tipos, tamanhos e materiais — organizados em fileiras solenes.
Ao lado: roupas dobradas. Túnicas, mantos, vestes, vestidos infantis.
Empilhados com delicadeza, intocados pelo tempo, mas suavizados pela poeira.
Como se seus donos tivessem se despido calmamente, deixando para trás tudo o que carregavam.
Doc se agachou devagar, a mão enluvada tremendo ao pegar uma pequena sandália.
Parte do couro se partiu ao toque, e um leve pó caiu no chão.
"...Isso parece com..." — começou ele, mas não terminou.
Não precisava.
Todos entenderam.
Todos já tinham visto aquelas imagens em preto e branco.
Pilhas de pertences deixados para trás nos capítulos mais sombrios da história humana.
"As pessoas não vão embora assim," — murmurou Bússola.
Um frio se espalhou por seu peito.
"A menos," — continuou, a voz seca,
"que tenham sido levadas..."
"Ou sacrificadas," — sussurrou Sky ao lado dele, o tom frio e oco,
como o silêncio antes de uma tempestade.
Ninguém respondeu.
Apenas o feixe da lanterna de Rivet se movia, lançando luz pálida sobre os tecidos e os sapatos enquanto a equipe seguia em frente.
O corredor tornou-se mais escuro, mais estreito. Seus passos ecoavam mais alto que antes, soando pela câmara como sinos distantes.
Sem ossos.
Sem restos mortais.
Sem túmulos, nem cinzas.
Apenas o silêncio da ausência.
E a inquietante persistência daquilo que fora deixado para trás.
"Para onde foram?" — murmurou Echo, escaneando as sombras como se esperasse que figuras translúcidas surgissem das paredes.
Nenhuma resposta.
Apenas o sussurro da poeira sob as botas.
Eventualmente, o corredor voltou a se alargar — revelando uma vasta antecâmara de pedra obsidiana.
Ao fundo, erguiam-se portões colossais, com pelo menos vinte metros de altura.
Monolíticos. Negros. Antigos.
Guardavam-se ali como sentinelas de um mundo desconhecido.
E estavam cobertos de inscrições.
Símbolos profundamente gravados na pedra — alguns imediatamente reconhecíveis: hieróglifos egípcios, cuneiforme sumério.
Mas outros... alienígenas.
Angulares, fluindo em padrões que desafiavam o olhar humano.
Sphinx se aproximou, passando a palma reverente sobre a pedra.
"Hieróglifos… cuneiforme… e algo mais. Algo… que não consigo identificar."
Inclinou-se mais.
"Linguagens diferentes… entrelaçadas. Como se civilizações estivessem combinando suas últimas palavras."
"Ou avisos," — disse Bússola em voz baixa, os olhos apertados.
"Ou epitáfios," — completou Mamba, a voz cortante como vidro partido.
"Para quem um dia encontrasse os mortos."
Os dedos de Sphinx pararam sobre uma faixa de escrita mais larga —
uma linha esculpida mais profundamente que as demais, emoldurada por espirais e símbolos quebrados.
Ele inspirou fundo e leu em voz alta, a fala trêmula, como se as palavras carregassem peso além da pedra:
"Cento e vinte anos até a morte pelas águas."
A câmara mergulhou em silêncio.
As palavras ecoaram — uma, duas vezes — e sumiram na escuridão acima deles.
O eco da voz de Sphinx desapareceu lentamente, engolido pelo silêncio abobadado da câmara. Ninguém se moveu.
"Cento e vinte anos..." — sussurrou Echo por fim.
"Até o quê?"
Sua voz falhou na pergunta. Ninguém respondeu. Não de imediato.
O rosto de Sky perdera a cor, os lábios comprimidos numa linha tensa.
Bússola deu um passo à frente, os olhos fixos nos portões colossais, tentando dar sentido ao impossível.
"É uma contagem regressiva?" — murmurou.
"Um aviso deixado para as gerações futuras?"
Sphinx permaneceu em silêncio. Ainda encarava as palavras que acabara de ler, como se o verdadeiro significado só agora estivesse se assentando em seus ossos.
Doc soltou um suspiro trêmulo. Não havia se movido desde que pegara a sandália infantil.
Seu olhar percorreu lentamente a câmara.
"Sem restos mortais," — disse, mais para si do que para os outros.
"Sem sangue. Sem ossos. Apenas... isso."
Rivet cruzou os braços, rígida ao lado das pilhas de roupas.
"Eles estavam se preparando para algo," — disse em voz baixa.
"Como se soubessem que viria. E mesmo assim... não conseguiram."
"Ou talvez tenham conseguido," — disse Mamba, aproximando-se do portão.
"Talvez tenham ido para outro lugar. Deixado isso pra trás. Como quem troca de pele."
Seu tom era neutro, mas havia algo por trás. Fome, talvez. Um desafio.
Sky não respondeu. Em vez disso, voltou-se para Bússola.
"E então?" — perguntou.
"O que fazemos?"
Bússola hesitou.
"Abrimos."
Ninguém protestou.
Juntos, se aproximaram dos portões escuros. Ao chegarem mais perto, notaram detalhes que antes haviam passado despercebidos — sulcos no chão de pedra, como trilhos. Impressões suaves na poeira, como se algo enorme tivesse se movido ali muito tempo atrás.
Sphinx examinou as bordas da porta com a mão enluvada.
"Não há maçaneta," — disse.
"Mas essas linhas... talvez se alinhem com algum tipo de mecanismo..."
"Afastem-se," — chamou Rivet, já ativando o scanner.
Em segundos, uma luz verde brilhou no visor de seu pulso.
"Trava magnética. Antiga, mas ainda ativa."
Ela olhou para Bússola e assentiu uma vez.
"Pronto quando quiser."
Bússola inspirou devagar.
"Vai."
Rivet tocou no comando.
A princípio — nada.
Então… um estrondo baixo.
Uma vibração profunda espalhou-se sob os pés, poeira caindo em filetes do teto.
E lentamente, os portões começaram a se abrir.
Uma fenda surgiu — negro contra negro — até que as duas metades recuaram apenas o suficiente para que uma pessoa passasse de lado.
Um vento soprou das trevas — seco, estagnado, mas impregnado de algo… elétrico.
Como o cheiro de ozônio após um raio.
Como o fôlego retido por tempo demais.
Bússola entrou pela fenda, lanterna em punho.
Um corredor se estendia além — estreito, liso, impossivelmente limpo.
"Isso não foi esculpido. Foi projetado," — murmurou Sphinx.
Ninguém contestou.
Um a um, seguiram.
Atrás deles, os portões não se fecharam — mas também não permaneceram escancarados.
No momento em que o último membro cruzou, as portas pararam... como se observassem.
Lá dentro, o ar parecia mais denso.
Caminhavam em silêncio, os passos abafados pelo piso perfeito. As paredes eram feitas de um material escuro e contínuo — nem pedra, nem metal, mas algo entre os dois.
Gravadas nelas, linhas tênues — geometrias que lembravam constelações... ou circuitos.
A voz de Doc rompeu o silêncio:
"E se esse lugar fosse feito para permanecer selado?"
"Então a chave nunca deveria ter sobrevivido," — respondeu Mamba com firmeza.
Bússola lançou um olhar a ela, mas não discutiu.
Seguiram em frente.
Eventualmente, o corredor se alargou — e emergiram em outra câmara vasta.
O ar ali era mais frio.
No centro, erguia-se um monumento: uma torre de mesma liga escura, inscrita com símbolos da base ao topo. Ao seu redor, estátuas — meio-humanas, meio-máquinas.
E no silêncio, a cidade falou novamente.
Não com palavras…
Mas com presença.
Bússola sentiu no peito.
Como um segundo batimento cardíaco, que não era o seu.
"Isto não era apenas uma cidade. Era um aviso," — disse Sky, a voz calma, mas firme.
Ninguém ousou discordar.
Não mais.
Um silêncio pesado pairava sob as abóbadas de pedra da cidade antiga.
A voz do Professor Sphinx ainda ecoava, trêmula com o peso do que acabara de ler:
"Cento e vinte anos até que venha a água."
A inscrição gravada no portão colossal caíra como um veredito vindo de outro mundo.
Skylar “Sky” Montgomery foi a primeira a falar — a voz mal audível, carregada de assombro.
"Eles sabiam… Sabiam que o dilúvio viria. Mas… era só uma lenda. Não era?"
Ren “Bússola” Wayland avançou lentamente, a voz contida, mas carregada de tensão.
"Se isso for real… acabámos de encontrar algo que destrói tudo o que pensávamos saber.
Atlântida não é mais um mito. É um aviso."
Ele estendeu a mão, tocando a superfície gelada do portão com a palma aberta.
"A questão é — estamos prontos para ver o que eles esconderam?"
Sphinx aproximou-se, os dedos traçando as linhas antigas com reverência.
"Aqui diz… ‘Para abrir as Profundezas do Engano, usa a mente.’"
"Um enigma?" — murmurou. — "Ou algo literal?"
"Talvez signifique… empurra com mais força," — resmungou Rivet, suas mãos reforçadas por metal já sondando a pedra em busca de alavanca.
Mas antes mesmo de aplicar pressão, um gemido mecânico ecoou no ar.
Todos congelaram.
Na cintura de Bússola, o cubo pulsou.
Sem pensar, ele o desprendeu —
e no instante em que seus dedos tocaram a superfície, um clique suave ressoou de dentro.
O cubo girou, abrindo-se camada por camada até revelar um segundo nível de símbolos gravados, que começaram a brilhar — como brasas antigas reacendendo.
Sphinx inspirou bruscamente.
"DINGIR… Cuneiforme mesopotâmico para ‘deus’…"
"E aqui, o símbolo egípcio para ‘deuses’. E aqui — ANKH. Não apenas vida. Vida eterna."
Ninguém disse uma palavra.
Até o zumbido dos trajes parecia ter cessado.
A mão de Sphinx pairou sobre o cubo, como se temesse tocá-lo ainda mais.
"Eles não estavam apenas escrevendo sobre imortalidade.
Estavam a persegui-la."
"Estás a dizer… que queriam tornar-se deuses?" — sussurrou Sky, o rosto pálido sob o visor.
Ele assentiu lentamente e apontou para uma linha marcada como uma assinatura:
"DINGIR.NA.BA.KI — ‘Ascensão aos deuses.’"
Bússola soltou uma risada seca e tensa.
"Ótimo. Não é só um artefato… é uma declaração.
Uma promessa de pessoas que pensaram que podiam ultrapassar o que significa ser humano."
Ele olhou ao redor.
"Se for verdade… então alguém, há milhares de anos, encontrou a chave para a imortalidade."
O ar tornou-se denso —
carregado com algo antigo.
Como se o próprio conhecimento tivesse peso.
Então, um estrondo baixo. Algo moveu-se muito abaixo deles.
A luz dentro do cubo enfraqueceu.
Sky rompeu o silêncio.
"Não podemos deixar isto sair. Ainda não.
Não sem sabermos com o que estamos a lidar.
É perigoso demais."
Mamba avançou lentamente. A luz refletia nos olhos dela como fogo.
"Desde o momento em que nascemos, começamos a morrer," — disse ela em voz baixa, com convicção cortante.
"Se houver sequer uma possibilidade de quebrar essa verdade… vale qualquer risco."
Bússola virou-se para ela, o tom agora frio.
"Se isto for revelado, não vai unir a humanidade. Vai iniciar uma guerra global. Tu sabes disso."
"Talvez," — disse Mamba, quase suavemente.
"Mas o risco é maior do que a morte em si?
Ninguém pergunta se a morte é ‘segura’. Apenas a aceitam."
"E às vezes tornam-se nela," — murmurou Doc.
Todos silenciaram.
Sky avançou a seguir, a voz firme e serena.
"E se formos nós que devíamos encontrar isto?
Duas partes de um mesmo artefato, descobertas em lados opostos do mundo… reunidas aqui, agora.
Isto não é coincidência."
Ela olhou em volta.
"Isto parece destino. Um chamado que respondemos."
As palavras dela ressoaram como um sino no vazio.
Ninguém se moveu.
No fundo da mente de Bússola, uma alternativa se desenhava —
uma que ele nem ousara considerar:
Eles podiam recuar. Fechar o túnel.
Apagar as gravações.
Fingir que nunca tinham estado ali.
Deixar Atlântida afundar novamente no silêncio do mito.
Mas…
A curiosidade fala mais alto que a cautela.
Um último instante de hesitação.
E então, a voz de Mamba, dura como aço:
"Não temos escolha.
As respostas estão atrás dessas portas."
Bússola assentiu.
"Então vamos abri-las."
O portão resistiu no início —
um peso antigo, imóvel diante do tempo ou da ambição.
Rivet avançou, estalando os dedos através dos servomotores do seu exotraje.
— Deixa-me tentar o método delicado — murmurou com um sorriso, preparando-se.
Os motores zumbiram, metal contra pedra.
Por um instante, nada.
Depois, um estalido seco ecoou. A dobradiça maciça cedeu.
— Está a mexer! — gritou. — Vamos lá — deem-me uma mão!
Sky e Thunder correram para um lado.
Bússola e Shade tomaram o outro.
Juntos, com músculos tensos e corações acelerados, empurraram.
O portão gemeu ao abrir-se, como se a própria Terra soltasse um suspiro.
Pedra raspando contra pedra.
Pó caiu em cortinas.
E então—
Um sopro.
Um bafo de ar mais frio que a fossa mais profunda.
Rasgou-se da escuridão como um sussurro vindo do abismo.
Todos recuaram.
Até Rivet piscou, instintivamente.
O túnel além inclinava-se abruptamente para baixo, mergulhando numa escuridão que engolia até os fachos das lanternas.
— Há algo vivo lá em baixo — murmurou Pixel. — Não literalmente... só... antigo. A observar.
Doc ajustou as luvas.
O silêncio envolvia-os como uma segunda pele.
— Já senti isto antes — disse, quase em transe. — Em câmaras de peste... lugares onde a morte se instalou e nunca partiu.
— Isto não é morte — contrapôs Mamba. — É memória. À espera de renascer.
Bússola fixou o olhar no túnel, os olhos semicerrados.
A mão apertou instintivamente o cubo à cintura.
— Não sabemos o que está lá em baixo — murmurou Sky, quase num sussurro.
— Não — concordou Bússola. — Mas é por isso que viemos.
Virou-se para a equipa —
a sua equipa.
Alguns com medo.
Outros determinados.
Mas nenhum disposto a recuar.
— Levem apenas o essencial — disse. — Verifiquem os sistemas. Vamos entrar com cuidado, devagar, e juntos.
— E se for uma armadilha? — perguntou Rivet, já ajustando a ombreira do traje.
— Então somos nós que a ativamos — respondeu Ren. — Mas do nosso jeito.
Avançaram como um só corpo.
As luzes das lanternas acenderam-se nos capacetes e fatos.
A entrada crescia à frente deles, o ar lá dentro húmido e elétrico, carregado de expectativa —
e de algo inominável.
Algo antigo.
E ainda assim, o cubo pulsava suavemente ao lado de Bússola.
Um batimento vindo do passado, chamando-os para a frente.
Deram o primeiro passo para dentro do túnel.
E a escuridão… acolheu-os.
Doc foi o primeiro a recuperar a compostura. Agachou-se junto à parede e verificou o scanner portátil. Um pulso verde suave piscava de volta.
— Níveis de oxigénio adequados... humidade elevada... esporos detetados — murmurou.
— Ainda dentro da margem de segurança. Por enquanto.
Sky e Bússola já avançavam, as luzes dos capacetes rasgando a penumbra adiante. As paredes ao redor cintilavam — escuras, húmidas, de uma suavidade antinatural.
E então, a luz pousou em algo enorme.
Entraram numa câmara dominada por um monólito colossal.
Erguia-se — negro como carvão, com forma de lâmina, perfeitamente uniforme — erguendo-se do solo como uma espada cravada no coração do planeta.
— Um obelisco… ou uma lâmina — murmurou Echo.
— Doc? — perguntou Bússola em voz baixa.
Doc ajoelhou-se, afastando o pó da base com cuidado.
— Isto não é pedra — disse lentamente. — Material compósito… minerais fundidos com metal. Mas nada que eu conheça. É sintético. Fabricado. Um dispositivo.
Sphinx contornava o monólito, passando a mão pela superfície lisa.
— Sem inscrições — disse, franzindo o sobrolho.
— O portão tinha. Isto… está mudo.
— Talvez seja só decorativo — arriscou Rivet, mas sem convicção na voz.
Pixel já tinha o scanner na mão, os olhos fixos nos dados.
— Duvido. Estou a detetar cavidades internas. Não é sólido. É… oco. Pode ser uma câmara. Ou uma arma.
— Cuidado — advertiu Sky. — Pode ser uma armadilha.
— Ligas compósitas, assinatura energética, cavidades internas… — murmurava Pixel.
— Pode ser um reator. Um míssil. Ou algo mais estranho.
Mamba, que ainda não desviara o olhar desde que entraram, falou num tom baixo:
— Se for uma arma, precisamos compreendê-la. Pode ser um trunfo… ou uma ameaça.
E então, pela primeira vez, Shade falou desde as sombras.
— Talvez já tenha disparado — disse.
— Talvez tenha sido concebido para proteger algo. Ou alguém… do que está mais abaixo.
Bússola fitou a escuridão do túnel para além do monólito.
Engolia a luz — antigo, indecifrável.
— Precisamos saber até onde vai este túnel.
Rivet retirou um telêmetro laser compacto da mochila e montou-o num tripé junto à entrada do túnel.
— Vamos ver quão fundo isto realmente vai — murmurou.
— Se forem dez quilómetros, saberemos em segundos.
A equipa recuou enquanto um feixe vermelho era disparado —
e se perdia na escuridão.
O ecrã piscava. Traços intermitentes.
— Sem retorno? — franziu o sobrolho Pixel. — Isso não pode estar certo...
Segundos passaram. Apenas o zumbido dos equipamentos e o chiado do scanner preenchiam o ar.
Depois — um bip agudo.
O visor acendeu-se.
15.000 metros.
E então — os números começaram a cair.
14.950... 14.900... 14.850...
— Espera — eco de quinze quilómetros?! — gritou Rivet, correndo para o visor.
— Olhem! Está a descer. Rápido. 14.700… 14.650…
— Algo está a subir — sussurrou Sky, como se tivesse medo de quebrar o feitiço.
— Rápido.
— Pode ser distorção de sinal? — sugeriu Doc, incerto.
— Não — cortou Bússola, agarrando o scanner.
— É real. Está em movimento. Algo enorme está a vir na nossa direção. Agora.
As palavras caíram como gelo no estômago.
As armas ergueram-se. Travões desativados.
Lanternas dançavam pelas pedras, em busca do invisível.
O ar tornou-se mais denso.
E então — um som.
Baixo. Profundo. Como engrenagens colossais a rodar nas profundezas.
Depois, o rugido.
Oco. Inumano.
O túnel vibrava.
E a escuridão… mexeu-se.
— Recuar! — gritou Thunder, colocando-se instintivamente à frente de Sky.
A equipa recuou, tomando novas posições, usando o monólito como escudo.
As armas apontadas para o corredor negro.
E então as luzes encontraram-no.
Algo emergiu.
Sem forma. Monstruoso. Escorrendo um brilho húmido e viscoso.
Retorcia-se, fluindo como sombra líquida — enorme e disforme, arrastando-se pelas paredes e chão em completo silêncio.
— Oh não… — sussurrou Echo, a mão a tremer no rádio.
— Mas que raio é isso?!
Ninguém respondeu.
A criatura aproximava-se. E agora viam — metal reluzia dentro da massa pulsante.
Crescimentos fúngicos cobriam-lhe o corpo, brotando como tumores.
Era parte máquina, parte organismo — fundida numa aberração.
— Fogo! — gritou Sky.
Bússola disparou primeiro.
Tien e Thunder seguiram.
As balas enterravam-se na carne com sons húmidos.
A criatura não reagia.
— Não está a resultar! — gritou Tien, recarregando.
— Está a absorver os impactos!
— Recuar! Mexam-se! — ordenou Bússola, recuando aos poucos.
Mas antes que conseguissem fugir —
o monólito acendeu-se.
Uma fenda rasgou-se no seu topo.
Uma lâmina de plasma azul-branco irrompeu do núcleo, com um grito agudo que trespassava o crânio.
— Abaixem-se! — gritou Rivet, protegendo a cabeça.
A lâmina lançou-se à frente.
Um cometa de energia — rasgando a criatura.
SHRRRRIIIIIIIIIIK—!
Um lamento metálico ecoou pelo túnel.
A lâmina cortava a massa, vaporizando carne fúngica e membros metálicos.
Faíscas explodiam. Lodo incandescente espalhava-se pelas paredes.
A criatura não gritava. Não tinha boca.
Contorceu-se. Depois, avançou novamente.
Imparável.
Mas a lâmina voltou.
Golpeando. E golpeando.
Cada impacto arrancava camadas do pesadelo.
O túnel tornara-se um campo de batalha de sombras e clarões.
A luz azul rasgava a escuridão, esculpindo silhuetas nas pedras.
Então, veio o cheiro — ozono e carne queimada.
Revoltava o estômago.
— Isto não pode ser real… — murmurou Pixel, espreitando por trás da cobertura.
O rosto pálido na luz fria.
Ninguém teve tempo para pensar.
Três minutos.
Foi tudo o que levou.
A coisa...
desapareceu.
Cinzas.
Metal retorcido.
Nada mais.
A lâmina de plasma pairou —
ficou em silêncio —
…e recuou para o monólito.
Deslizou para o interior com um zumbido.
O silêncio retomou o espaço.
A torre obsidiana voltou à imobilidade.
Como se nunca se tivesse movido.
Mas o chão carbonizado dizia a verdade.
A guerra fora real.
As lanternas tremiam em mãos suadas.
Thunder foi o primeiro a falar.
— Todos vivos? Estado?
Acenos. Ofegos. Polegares trémulos.
Rivet tombou junto à parede, o exotraje a silvar ao desligar-se.
Echo arrancou o auscultador, ofegante — os ouvidos ainda a zunirem com o caos sónico.
Ninguém falou.
Ainda não.
Faltavam palavras.
Sky percorreu o grupo com o olhar, contando os rostos. Todos estavam presentes. Nenhum ferimento grave—apenas arranhões, hematomas e o choque. De alguma forma, todos haviam sobrevivido.
"Isso... foi por pouco demais," ela exalou, lutando para manter a voz firme.
Ela geralmente era calma em situações de perigo, mas agora até Sky parecia abalada.
"Se aquela coisa tivesse nos alcançado..." ela balançou a cabeça.
"Aquele mecanismo antigo nos salvou. Um sentinela—letal e preciso."
"E ativou-se como um relógio," acrescentou Ren, recuperando sua lanterna do chão.
O feixe varreu o monólito negro, agora silencioso novamente.
"Este complexo... ainda está vivo. Ainda defendendo algo."
"O que significa que há algo adiante que vale a pena defender," disse Doc com gravidade, empurrando um fragmento de metal fumegante com o pé.
"Ou algo que vale a pena manter trancado. Não de nós—
mas de sair."
"O portão não estava apenas fechado," ele continuou.
"Estava selado. Para sempre."
"Então, seja o que for que protege, deve ser inestimável," disse Mamba, a voz baixa, tocada de reverência.
"Se merece defesas tão poderosas... o que está esperando adiante pode ser inimaginável."
Tien soltou uma risada curta e seca.
"Ou é apenas tão perigoso," ele disse.
"Perigoso o suficiente para precisar de um exército particular de guardiões para mantê-lo enterrado."
Suas palavras pairaram pesadas no silêncio.
Todos sabiam que ambas as possibilidades podiam ser verdadeiras.
Doc encarou os restos em cinzas da criatura, a voz mal audível.
"Se é assim que a imortalidade se parece...
talvez a morte não seja uma opção tão ruim."
Ren se levantou, o maxilar firme com propósito.
"Vimos o suficiente para saber uma coisa—
não podemos avançar despreparados.
Precisamos de um plano. Vamos retornar à base, reagrupar, verificar nosso equipamento—"
Ele parou.
O chão tremeu sob eles.
Um estrondo profundo ecoou pelo túnel.
As paredes tremeram.
"Terremoto?!" gritou Echo, se apoiando.
A vibração intensificou-se.
Poeira caiu em ondas do teto.
Por trás—na direção do portão—veio um estalo retumbante.
Thunder agarrou Sky e a puxou em direção ao monólito, protegendo-a com o corpo.
Tien se lançou e puxou Sphinx para longe bem a tempo, quando uma laje de pedra caiu no chão onde o professor estivera segundos antes.
Ren girou em direção à entrada do túnel, o coração apertando.
Sua luz captou a parede distante—bem a tempo de ver nuvens de poeira se espalharem da passagem de volta ao portão.
Então veio o som.
Aquele que todos temem.
Colapso.
Um rugido ensurdecedor rasgou a escuridão.
O chão se ergueu.
As paredes inclinaram-se.
E então... silêncio.
Eles correram para a saída—
e pararam abruptamente.
Diante deles erguia-se uma parede irregular de pedra.
Uma montanha de rochas quebradas e detritos antigos.
O caminho de volta... havia desaparecido.
Sky encarou a passagem colapsada, a boca aberta, o peito arfando.
"Você só pode estar brincando comigo..." ela sussurrou.
Ninguém respondeu.
Eles estavam presos.
Enterrados vivos nas veias profundas da Terra.
Atrás deles: um túmulo marcado por plasma.
Adiante: apenas escuridão.
E quaisquer que fossem os segredos que a cidade morta ainda guardava.
— A saída desabou… — sussurrou Sphinx.
A voz dele tremia, e pela primeira vez, o velho professor parecia realmente com medo.
— Estamos… presos?
— Mantenham a calma — disse Sky, tentando manter o tom firme, mesmo com o coração disparado.
— Pode ter sido um desabamento localizado. Echo, vê se consegue contato com a base.
Echo já se curvava sobre o transmissor, dedos dançando nos controles, um ouvido colado ao fone.
Apenas estática.
Nenhum sinal.
Nenhuma resposta.
Ele ergueu os olhos e balançou a cabeça com gravidade.
— Rocha demais acima de nós. Estamos isolados. Vou deixar um repetidor aqui, mas precisaríamos de uma fonte muito mais forte para atravessar até a superfície.
Rivet voltou-se para a garganta escura do túnel — o único caminho restante.
— Então não temos escolha — disse ela em voz baixa.
— Ou avançamos e encontramos outra saída… ou damos um jeito de enviar um sinal de dentro.
— Se o artefato do Bússola ainda estiver reagindo a algo lá embaixo — acrescentou ela — pode haver alguma coisa capaz de emitir sinal para cima.
Ren “Bússola” assentiu em silêncio. A decisão já não precisava ser dita.
Não havia mais retorno.
Apenas avanço.
— Se deixarmos o monólito para trás — alertou Bússola — perdemos a proteção dele. E a luz pode atrair mais daquelas criaturas. Alguma ideia?
— Tenho alguns drones de reconhecimento com câmeras infravermelhas — disse Pixel, já vasculhando a mochila.
— Vou lançar um à frente.
— E eu trouxe óculos infravermelhos para todos — acrescentou Rivet, com naturalidade.
— Eram para estudar câmaras seladas na Atlântida… agora vão nos ajudar a enxergar sem sermos vistos.
— Perfeito — disse Bússola. — Distribua.
Enquanto Rivet entregava os óculos, Pixel prendeu o headset de controle e lançou um pequeno drone flutuante.
O zumbido leve da máquina sumiu na escuridão.
Todos ficaram imóveis, ouvidos atentos, respiração suspensa.
Pixel murmurava consigo mesmo, os olhos vibrando com o fluxo de dados na lente.
Por fim, desligou o drone e removeu o headset.
Todos os olhares se voltaram para ele.
— E então? — perguntou Mamba, a voz tensa de impaciência.
— Duas notícias — começou Pixel.
— Boas e más? — resmungou Mamba.
— Não. Más… e muito más.
O grupo enrijeceu.
— Muito má: o túnel à frente tem fissuras profundas. E eu vi… mais daquelas coisas. Do mesmo tipo que o monólito destruiu. Pelo menos duas.
Silêncio pesado.
— E a “apenas” má? — perguntou Bússola.
— Há um sistema de trilhos no teto — trilhos enormes que seguem adiante.
— Como isso é ruim? — perguntou Echo.
— Porque não temos em que andar sobre eles.
Levantaram os olhos. De fato, trilhos espessos corriam acima deles, quase se fundindo com a rocha do teto.
— É um sistema de transporte — disse Rivet, estreitando os olhos.
— Provavelmente de carga. E se havia entregas, tem que haver uma plataforma.
Ela não esperou confirmação — apenas começou a andar.
Atrás do monólito, encaixada numa reentrância, a equipe encontrou uma plataforma com vários carrinhos suspensos.
Eles se prendiam aos trilhos por grampos magnéticos — feitos de uma liga prateada estranhamente parecida com o artefato de Bússola.
Mais estranho ainda: pairavam no ar, sem tocar os trilhos.
— Suspensão magnética… — murmurou Rivet, admirada.
— Mas… invertida? Normalmente fica por baixo.
— Pode ser que cargas pesadas andassem por baixo — refletiu Bússola, examinando o solo.
— E esse sistema levava cargas menores ao mesmo tempo.
— Problema é que está tudo morto — disse Pixel. — Sem energia. Estão só pendurados aí.
— Sem problema — sorriu Rivet, já puxando ferramentas da mochila.
— Tenho unidades motrizes sobressalentes da minha exotraje. Vou adaptá-las com roldanas de borracha. Não será rápido, mas será estável.
Todos assentiram.
Era o melhor plano que tinham.
Enquanto Rivet trabalhava, os outros carregaram os suprimentos no primeiro carrinho.
Logo, tudo estava pronto.
À frente — escuridão.
Desconhecido.
Mas agora, tinham como seguir.
O carrinho deu um leve tranco quando Rivet ativou os motores.
Um zumbido suave.
As roldanas de borracha se agarraram aos trilhos, e a plataforma deslizou — suave, quase silenciosa.
Ninguém ousou acender uma luz.
Bússola sentou-se à frente, os óculos infravermelhos ajustados ao rosto, olhos fixos no abismo adiante.
O carrinho avançava lentamente, entrando na garganta do túnel — onde as sombras engoliam o som, e o próprio ar parecia espesso de presságios.
Sob eles… as fissuras escancaradas.
Feridas na terra.
Fundas. Sem fim.
Através das lentes, Bússola as via — rachaduras largas ladeando a trilha estreita.
E pior: movimento.
— Movimento — sussurrou ele, mal audível.
Figuras.
Escuras.
Em deslocamento.
Vivas, sem dúvida.
Espreitavam nas bordas da fenda.
Observavam.
Dormiam… por enquanto.
Um som errado. Um lampejo de luz — e poderiam se erguer.
Ninguém dizia nada.
O motor zumbia.
Batimento após batimento, o carrinho seguia.
Às vezes as sombras pareciam se inclinar.
Um lampejo ali, uma ondulação acolá.
— Eles não se moveram… ainda — murmurou Pixel, no fundo do grupo.
— Não os provoquem — sussurrou Sky.
— Eles estão ouvindo.
— Estão famintos — disse Echo, quase para si mesmo.
Os minutos se arrastavam como horas.
Cada metro parecia tempo roubado.
Então — Bússola ergueu a mão.
— Devagar — disse ele em voz baixa.
Rivet aliviou o acelerador. O carrinho gemeu suavemente, reduzindo até quase parar.
O carrinho deslizava adiante, seu suave zumbido mecânico sendo o único som a romper o silêncio espesso. Ren "Bússola" Wayland mantinha os olhos fixos à frente, ajustando os óculos de visão infravermelha enquanto contornos tênues emergiam através da escuridão. O túnel já não parecia um corredor — parecia uma garganta, estreitando-se e engolindo-os por completo.
Abaixo deles, as fissuras se alargavam. Fendas irregulares ramificavam-se como veias negras na terra. E nas profundezas... algo se movia. Sombras lentas e pesadas agitavam-se, seus contornos demasiado distorcidos para serem naturais. As criaturas não estavam adormecidas — estavam à espreita.
"Não acendam nada," advertiu Bússola em voz baixa.
"Essas coisas reagem à luz. É por isso que está tão escuro aqui embaixo."
"Entendido," respondeu Rivet, também em tom baixo.
"Os motores estão funcionando frios. Sem faíscas, sem clarões."
Cada som parecia agora mais alto. Até o zumbido do sistema de propulsão soava como trovões rolando por um cemitério assombrado.
Passaram sob o que parecia ser um arco esquelético — uma estrutura retorcida mal pendurada no teto. Ao deslizarem sob ela, Bússola reconheceu os restos despedaçados do que outrora fora um sistema de iluminação. Tubos longos jaziam dobrados e quebrados. A parede atrás estava chamuscada. Algo havia rasgado esse lugar.
"Sistema de iluminação," murmurou Rivet.
"Devem ter tido luz artificial aqui. E algo a destruiu."
"Faz sentido," acrescentou Pixel.
"Essas criaturas — elas odeiam luz. Provavelmente foi a primeira coisa que atacaram."
Mais estruturas quebradas surgiam à medida que avançavam. Em intervalos, pequenas plataformas agarravam-se às paredes laterais — arruinadas, amassadas como lata sob imensa força. Estações técnicas talvez, ou antigos centros de retransmissão. Algumas ainda tinham painéis meio derretidos ou antenas quebradas.
"Aqueles eram pontos de comunicação," murmurou Echo, reconhecendo o design.
"Pelo dano... seja lá o que vive aqui, também os atacou. Qualquer coisa que brilhasse ou fizesse barulho."
O carrinho continuava avançando, sem parar.
"Sem sentido em examiná-los," disse Bússola.
"Estão mortos há muito tempo. E não vamos ficar parados o suficiente para atrair algo."
O ar tornava-se mais frio. E mais pesado.
Uma vibração tênue percorria os trilhos — não do carrinho, mas de algo mais adiante. Uma pressão distante. Daquelas que se sente no peito mais do que nos ouvidos. Como o batimento cardíaco de algo adormecido nas profundezas da pedra.
Sphinx permanecia curvado em silêncio, segurando um pequeno caderno. Não dissera uma palavra desde o desabamento. De tempos em tempos, lançava olhares às paredes, como se tentasse ler inscrições que não existiam.
Skylar "Sky" Montgomery sentava-se próxima à parte traseira do carrinho, sua mão firmemente agarrada a um corrimão. Não tremia — mas seu aperto estava branco.
"Não gosto disso," disse finalmente.
"Está quieto demais. Como se o lugar... estivesse prendendo a respiração."
Ninguém discordou.
Passaram por uma grande interseção — ou o que restava dela. O teto acima havia desabado em algum momento, preenchendo um ramo próximo do túnel com escombros. Mais tecnologia arruinada espalhava-se pelo caminho. Um terminal semi-enterrado piscou uma vez — depois morreu completamente.
"Ainda recebendo energia de algum lugar," murmurou Rivet.
"Carga residual em algum capacitor, talvez."
"E então se foi," acrescentou Pixel.
"É assim que as coisas desaparecem rápido aqui embaixo."
O carrinho deu um leve solavanco ao cruzar uma seção danificada do trilho. Rivet reduziu a velocidade ao mínimo, guiando-o por uma viga de suporte improvisada de sua própria construção. Bússola escaneava à frente. As rachaduras no chão abaixo estavam mais profundas agora — algumas largas o suficiente para engolir todo o carrinho.
E pior — em uma das fendas, algo se movia novamente.
Desta vez, não rastejava. Deslizava.
Um membro negro, sem ossos, longo e úmido, estendia-se para cima antes de se enrolar de volta nas sombras.
"Eles estão observando," sussurrou Echo.
"Precisamos passar por esta seção rapidamente," disse Bússola.
Rivet aumentou um pouco a potência dos motores, mas não o suficiente para fazer barulho. Cada metro adiante parecia caminhar por uma corda bamba estendida sobre um poço cheio de dentes.
Então — finalmente — o túnel mudou.
As paredes à frente alargavam-se. Os trilhos curvavam-se ligeiramente, direcionando-se para uma câmara maior.
Estavam próximos de algo novo. Algo diferente.
Mas mesmo antes de alcançá-lo, a temperatura caiu novamente. Tão abrupta que parecia mergulhar em água gelada.
"O que quer que esteja lá," disse Sky em voz baixa,
"Não é apenas frio. É antigo."
Bússola levantou a mão novamente. O carrinho desacelerou até quase parar.
As sombras à frente estavam mais densas. Mais espessas.
O túnel à frente estava completamente bloqueado. Enormes blocos de pedra, metal retorcido e rochas irregulares empilhavam-se como uma caixa torácica quebrada, deixada para morrer na escuridão.
"É isso," murmurou Pixel sombriamente. "Como se algo — ou alguém — tivesse intencionalmente enterrado o caminho adiante."
A equipe desmontou do carrinho em silêncio.
Thunder avançou primeiro, passando uma mão enluvada pela laje mais próxima.
"Colapsado por toda a largura. Essas pedras não vão se mover. Está tudo compactado."
"E não trouxemos uma furadeira," acrescentou Echo nervosamente, mexendo na antena do rádio.
Rivet endireitou-se abruptamente, a determinação reluzindo em sua voz.
"Tenho o exotraje. Pixel tem microcargas. Vamos abrir caminho. Mas com cuidado — se soltarmos a peça errada, tudo desaba."
"Com cuidado?" Mamba bufou, apontando para as manchas negras pulsantes entre as pedras. "Este lugar mal se sustenta. O crescimento fúngico está devorando tudo. O tempo não está a nosso favor."
"Ainda mais razão para agir," cortou Bússola com firmeza.
"Rivet, remova as camadas superiores com o exo. Pixel, coloque as cargas — cirúrgicas, não força bruta. Todos os outros, limpem as bordas. Vamos lá."
O engenheiro e o hacker entraram em ação.
Rivet, amplificada por seu traje motorizado, movia-se com precisão mecânica, levantando lajes e colocando-as de lado como peças de um quebra-cabeça.
Thunder e Shade cavavam as bordas com as mãos, desalojando detritos e ampliando o espaço.
Ninguém falava. Cada som ecoava mais alto do que deveria.
Pixel deslizou até uma enorme pedra, ajoelhando-se para plantar duas pequenas cargas. Esticou os fios para trás e olhou para Bússola e Sky.
"Prontos? Elas têm baixa potência, mas ainda assim — abaixem-se."
Bússola assentiu.
Todos se agacharam, mãos sobre os ouvidos.
A explosão foi mais sentida do que ouvida — como algo rachando dentro do peito.
A pedra se partiu com um gemido. A poeira subiu em uma onda sufocante.
Antes que assentasse, Rivet avançou, o exotraje zumbindo enquanto removia as rochas fraturadas.
A passagem começou a se abrir.
A pedra rangia. O metal ressoava.
O suor ardia nos olhos. Os braços doíam.
O ar parecia mais pesado agora — mais denso. Como se o túnel estivesse observando.
"Pausa," arfou Doc, limpando o embaçado dos óculos. "As pessoas estão esgotadas."
Sky levantou a mão em concordância.
A equipe caiu onde estava — alguns sobre pedras, outros direto no chão.
Sem perceber, dividiram-se novamente — velhas equipes se reformando por hábito.
Bússola não se sentou.
Avançou até a abertura recém-liberada.
Uma abertura estreita se abria nos escombros.
Além dela, apenas escuridão — mas uma brisa fria tocou seu rosto.
Havia algo além do bloqueio.
Um espaço aberto. Uma câmara.
Estavam próximos.
Rivet já alcançava os controles do exo quando o ar mudou.
Um som cortou o silêncio.
Fino. Agudo. Distante. Mas crescendo rapidamente.
Um rangido — metal arrastando-se sobre pedra.
Então o chão tremeu.
"Para trás!" gritou Thunder, tenso instantaneamente.
Tentaram se mover.
Tarde demais.
Toda a pilha desabou sobre si mesma.
Sem explosão. Apenas gravidade.
O chão cedeu.
As pedras despencaram — para frente e para baixo.
Bússola se lançou —
— e ouviu alguém gritar.
Rivet.
Ele tentou alcançá-la.
Tentou agarrá-la —
Mas em vez disso, caiu.
Pedras. Poeira. Aço gritando.
O mundo girou sob seus pés.
"Reeennn!"
A voz de Sky rasgou a escuridão.
Ren "Bússola" Wayland despertou com um suspiro agudo, sem saber quanto tempo havia estado inconsciente — minutos, horas... um dia? Todo o seu corpo latejava como se tivesse sido esmagado e remendado por mãos descuidadas. Um gosto amargo e metálico preenchia sua boca. Algo quente escorria por sua têmpora — sangue ou água, ele não sabia dizer.
Instintivamente, levou a mão ao rosto e removeu os óculos de visão infravermelha. As lentes se fecharam com um clique suave, e ele as guardou na bolsa lateral. Só então percebeu — não estava completamente escuro.
Um brilho tênue cintilava pela caverna. Formas emergiam: cogumelos gigantes com chapéus esverdeados pálidos, luminosos e fantasmagóricos. Pulsavam com uma estranha bioluminescência que subia por seus caules como eletricidade nervosa, iluminando arcos de pedra arruinados acima e escombros desmoronados abaixo. Seus caules espessos estavam cobertos por uma penugem fibrosa, e o ar se agarrava a ele — úmido, viscoso e impregnado de névoa.
Então ele ouviu: uma cachoeira, ou algo semelhante. Não um estrondo, mas um sussurro constante de gotas caindo, como respiração contra pedra antiga.
Ren apoiou-se no chão e forçou-se a levantar. Uma dor aguda atravessou suas costelas. Ele gemeu, apoiando-se contra um dos pilares fúngicos. Nada parecia quebrado, mas cada músculo protestava. Inspirou — e engasgou.
O ar não estava apenas úmido. Estava vivo. Esporos, tão densos quanto poeira, flutuavam pela névoa em espirais preguiçosas. Cheirava a decomposição e nascimento, a algo antigo mudando em silêncio.
Uma voz rompeu a névoa.
"Ren? Está conosco?"
Estava abafada — tensa de preocupação.
"Por pouco," ele respondeu roucamente.
Formas se aproximaram através da névoa, figuras se formando como memórias sendo puxadas para o foco. O primeiro a alcançá-lo foi Doc, ajoelhando-se ao seu lado, rosto pálido mas alerta.
Atrás dele, Echo cambaleou, um corte profundo na testa, um lado do headset quebrado e pendendo por um fio. Sphinx mancava lentamente, segurando o cotovelo com uma careta, mas seus olhos rastreavam tudo — analisando silenciosamente. A última a emergir dos escombros foi Rivet, rastejando debaixo de uma viga quebrada. Seu exoesqueleto faiscava fracamente, os servos gemendo, mas a estrutura resistia.
"Todos sobrevivemos?" Ren perguntou, apertando os olhos para seus rostos, tentando contar.
"Parece que sim," Doc exalou. "Hematomas. Alguns cortes. Nenhuma hemorragia interna que eu possa ver. Tivemos sorte."
Rivet girou no lugar, examinando a caverna.
"Espere... onde está a equipe da Sky?" ela perguntou, a voz tensa.
Todos congelaram. A realização veio com um peso frio.
Não havia sinal dos outros.
Sem Sky. Sem Thunder. Sem Mamba. Sem Shade. Sem Pixel.
Sem vozes. Sem sinais.
Apenas o brilho da luz fúngica. A névoa rastejante. E o silêncio.
Ren alcançou seu pulso, os dedos tremendo levemente. Estática. Sem balizas, sem pings, sem movimento.
"Devem ter sido lançados para outro lugar," Sphinx murmurou, a voz rouca.
"Ou mais fundo," disse Echo calmamente, olhos distantes.
Rivet aproximou-se, inspecionando seu equipamento. Suas mãos pararam na máscara presa ao rosto.
Uma rachadura fina corria pelo centro.
Ela se virou para Doc.
"Máscaras comprometidas," ela disse. "Estou respirando ar puro."
Echo verificou a sua. Rachada.
A de Sphinx vazava pela vedação.
Doc retirou a sua com visível apreensão.
"Todos estamos," confirmou, voz baixa. "E não sei o que há neste ar. Esporos como esses... podem ser alucinógenos. Ou pior."
Uma pausa.
Ren cerrou o maxilar. A névoa parecia apertar-se mais, enrolando-se como dedos ao redor de suas botas.
"Podemos selar os trajes?" ele perguntou.
Rivet balançou a cabeça.
"Muitas fraturas. A queda destruiu metade dos sistemas. Posso tentar estabilizar o meu, mas filtragem completa? Impossível."
Doc acrescentou, sombriamente:
"Esperemos que este ecossistema não seja hostil aos pulmões de mamíferos."
Ren olhou para a névoa. Em algum lugar à distância, um brilho pulsava suavemente, quase ritmicamente. Não eletrônico. Orgânico. Como respiração.
"O carrinho se foi," disse após um momento. "Enterrado ou inacessível."
"E mesmo que não estivesse," acrescentou Sphinx, "estamos selados aqui."
Echo olhou ao redor. As paredes da caverna estavam fraturadas, mas nenhuma luz vinha de cima. O túnel por onde haviam vindo havia desaparecido sob os escombros.
"Então seguimos em frente," disse Ren.
Não era uma pergunta. Não havia alternativa.
Rivet assentiu, puxando um painel de diagnóstico piscando do antebraço. Faíscas saltaram, mas a leitura estabilizou. Ela tocou alguns comandos e redirecionou a energia auxiliar para seus servos.
"Posso recuperar função limitada," disse. "Não vai durar muito, mas o suficiente para me mover."
Doc começou a verificar os outros em busca de sinais de infecção — dilatação das pupilas, tremores, irregularidades respiratórias. Nada imediato. Mas os esporos podiam agir lentamente.
Echo ajustou o que restava de seu headset, tentando acessar o relé de curto alcance.
"Sem sinais em nenhuma frequência. Sem assinaturas de calor. Sem movimento. É apenas... ar morto."
"Não morto," murmurou Sphinx, observando os cogumelos pulsarem. "Adormecido."
Ren avançou em direção à estreita abertura entre dois pilares de pedra, onde a névoa se adensava em uma cortina fluida.
"Vamos encontrar os outros," disse, a voz rouca mas firme. "Ou encontrar uma saída. De qualquer forma..."
Ele olhou para trás, fixando os olhos em cada um deles por sua vez.
"Seguimos em frente."
Não houve discurso dramático. Não havia tempo para isso. Apenas o som de botas se movendo contra o pó fúngico e o suave tilintar de máquinas se recalibrando.
Eles passaram sob o dossel fúngico arqueado, cada passo agitando os esporos como neve em câmera lenta. Quanto mais avançavam, mais brilhante se tornava o brilho — não de sol ou lâmpada, mas da estranha luz respirante dos próprios cogumelos. Veias azul-pálidas pulsavam sob os chapéus. Alguns flexionavam levemente, reagindo ao movimento.
Alguns se inclinavam — apenas um pouco — como se observando.
A equipe não falava. Mesmo Echo, geralmente o primeiro a murmurar ou praguejar, permanecia em silêncio. O silêncio parecia carregado, como se o som pudesse desencadear algo que ainda não os notara.
Na retaguarda, Rivet parou ao lado de um aglomerado esponjoso crescendo na parede. Tocou-o suavemente com uma
— Base? Sky? Respondam — alguém!
A voz de Echo ecoava na escuridão, carregada de desespero, enquanto ele manipulava o rádio preso ao cinto.
Silêncio.
— Nada — murmurou. — Estamos por nossa conta.
Sphinx virou-se lentamente, o olhar percorrendo os imponentes pilares fúngicos ao redor.
— Este lugar... não é apenas subterrâneo. É algo mais. Um túmulo. Um útero.
Os outros permaneceram em silêncio. Ninguém sabia o quão fundo haviam caído — ou se havia sequer um caminho de volta.
O choque do desabamento ainda os envolvia como poeira. O ar estava pesado, úmido, impregnado com o odor de decomposição e algo... vivo.
Ren avançou. A floresta de fungos estendia-se em todas as direções — grandes hastes erguendo-se como árvores petrificadas numa catedral esquecida. Pedras quebradas emergiam do solo como dentes partidos. A luz era tênue, filtrada pelo brilho fosforescente dos chapéus de cogumelo acima.
— Precisamos explorar — disse Rivet, agachada junto a um painel do seu exoesqueleto. Trabalhava com mãos rápidas e experientes, isolando fios queimados, redirecionando circuitos.
O rosto estava sujo, a testa arranhada. Mas os olhos permaneciam firmes. Determinados.
— Tem que haver outra saída — ou o que quer que tenha atraído o artefato até aqui. Ficar parados não é uma opção.
Ren assentiu.
— Mantenham-se próximos. Cuidado onde pisam. Este solo mal se sustenta — e o que quer que esteja aqui embaixo, não é apenas rocha e esporos.
Ele não terminou a frase.
Movimento — logo além de uma mancha de musgo.
Um lampejo. Rápido. Irregular.
A mão de Ren ergueu-se num gesto.
Silêncio.
Eles congelaram.
Algo se aproximava.
Não rápido. Nem barulhento.
Mas errado.
Como se a própria escuridão se movesse em direção a eles.
— Ali — sussurrou Echo.
Ren direcionou a lâmpada montada no pulso para as formas em movimento.
O que emergiu das sombras não era humano.
Figuras surgiram debaixo dos fungos.
Humanóides — apenas vagamente.
As cabeças estavam envoltas por enormes chapéus de cogumelo bulbosos. Filamentos e fios de mofo cinzento pendiam por baixo como cabelo orgânico. Os torsos estavam cobertos por trapos de tecido sintético — uniformes rasgados, talvez, ou pele artificial. Ninguém sabia ao certo.
Os membros eram longos demais, as articulações demasiado angulosas. Dedos terminavam em garras curvas que arranhavam o solo macio.
Em cada uma das mãos direitas —
uma seringa metálica reluzente.
— Seringas — murmurou Doc. — Enormes. Cheias de... algo.
— São fungos ambulantes — acrescentou com um tom vazio. — Literalmente.
— Meu Deus — sussurrou Sphinx.
Deu um passo para trás, instintivamente se posicionando atrás de Ren.
As criaturas avançavam lentamente. Não falavam. Não emitiam som algum.
Como se o próprio ar as impulsionasse.
Então, sem aviso, uma rompeu a formação.
Correu de lado — diretamente em direção a Echo.
Antes que alguém pudesse reagir, uma mão esquelética agarrou seu pulso.
A seringa cravou-se profundamente no antebraço.
— Aaaahh! — gritou Echo.
— Abaixo! — gritou Ren.
Rivet lançou-se em direção a ele, agarrando seu colete para puxá-lo.
Mas a criatura segurava firme, pressionando o êmbolo com um movimento horrível e deliberado.
Ren não hesitou.
Agarrou um cano de aço quebrado do entulho aos seus pés —
e golpeou.
O impacto atingiu o flanco da criatura com um estalo úmido.
Ela cambaleou. Soltou Echo.
Rivet o arrastou para trás, protegendo-o com o corpo.
A criatura que o atacara recuou, tremendo, aparentemente satisfeita com seu propósito.
Mas mais se aproximavam.
Duas. Três. Surgindo da névoa. Seringas erguidas.
— Ataquem! — ordenou Ren.
Ele avançou.
Rivet seguiu — seu exoesqueleto rugindo ao atingir potência máxima.
Seu primeiro golpe atingiu o peito de um monstro com força esmagadora.
A criatura desabou e desapareceu numa ravina escura.
Outra avançou sobre Ren. Ele desviou da seringa —
e cravou o cano para cima, esmagando o antebraço da criatura.
A seringa caiu no chão, ainda tremendo.
A criatura recuou.
Ren não lhe deu uma segunda chance.
Derrubou-a, prendeu-a sob sua bota,
e esmagou sua cabeça com o cano.
O chapéu fúngico explodiu — liberando uma enxurrada de fluido negro e um grito seco e estridente.
Mais se aproximavam —
mas Ren estava pronto.
Golpeou novamente.
E novamente.
As seringas voavam de suas mãos como ossos quebrados.
As criaturas, agora desarmadas, hesitaram.
Seus movimentos tornaram-se lentos — incertos.
Então, uma a uma, viraram-se.
Desapareceram na penumbra iluminada por esporos.
A floresta de fungos mergulhou novamente no silêncio.
Apenas a respiração deles — áspera, irregular — permanecia.
Echo escorregou contra o braço de Rivet, apertando o antebraço onde a seringa havia penetrado. Seu rosto estava pálido, os lábios tremendo. Um fluido acinzentado escorria do ferimento, espesso e salpicado de manchas verdes.
Doc já estava em movimento.
— Deitem-no — com cuidado. Deixem-me ver isso.
Rivet o acomodou sobre uma pedra plana. As mãos de Doc se moviam com velocidade clínica, retirando luvas de seu kit médico, iluminando o ferimento com uma lanterna.
— Não é uma injeção comum — murmurou. — A agulha era larga — tipo dispersão. Olhem o inchaço do tecido. Está tentando espalhar algo.
— Infecção? — perguntou Bússola, com a voz baixa.
— Talvez. Talvez pior. Isso... não se comporta como uma bactéria. É rápido demais. Quase... deliberado.
Echo estremeceu, então gemeu.
— Estou bem... — murmurou. — Estou bem.
— Não, você não está — retrucou Doc. — Você teve sorte de ter sido no músculo e não numa veia. Se o que quer que estivesse ali tivesse entrado na corrente sanguínea...
— Pode parar isso? — interrompeu Rivet, a voz afiada.
Doc hesitou, então injetou um antifúngico de amplo espectro e um anti-inflamatório de alta dosagem.
— Estou ganhando tempo para ele — disse. — Mas precisamos de respostas. E rápido.
Sphinx estava a alguns metros de distância, os braços cruzados firmemente sobre o peito. Não havia falado desde que as criaturas partiram.
— Eles não eram apenas... animais — disse finalmente. — Tinham um padrão. Ferramentas. Alvos. Isso não foi aleatório.
Bússola encarou a escuridão, onde os humanoides fúngicos haviam desaparecido. O vazio parecia observá-los de volta.
— Eles se foram — disse. — Por quê?
— Testando-nos — sugeriu Doc. — Ou apenas um aviso. A seringa não foi feita para matar.
— Para mudar — sussurrou Sphinx. — Infectar, adaptar... converter.
— Não vamos esperar para descobrir — murmurou Rivet. Ela se agachou ao lado de Echo, ajustando a placa do ombro do exoesqueleto para protegê-lo melhor. — Se eles voltarem com mais — ele não está pronto para se mover.
Bússola virou-se para os outros.
— Vamos nos reagrupar. Encontrar um local seguro. Estabelecer um perímetro. Sem luzes, a menos que absolutamente necessário.
Ele fez uma pausa.
— E não nos separamos novamente. Nunca.
A equipe assentiu.
Mesmo Echo, tonto e fraco, cerrou o maxilar e fez um leve aceno.
O brilho dos cogumelos ao redor pulsava levemente — como uma respiração. As criaturas haviam se fundido de volta àquela luz. Às sombras entre os esporos e a pedra.
Mas sua presença permanecia.
No silêncio.
No limo negro escorrendo do cano de Bússola.
Na seringa agora deitada no chão, ainda meio cheia de algo vivo.
Doc a guardou, junto com outras seringas, em um recipiente selado e o prendeu ao colete.
— Vou estudá-la depois — murmurou. — Se tivermos um depois.
O ar ficou imóvel. Frio.
Em algum lugar distante, nas profundezas do sistema de cavernas —
um som úmido ecoou.
Um arrastar.
Um raspar.
E então, nada.
— Eles... foram embora?
A voz de Sphinx tremia, quase inaudível. Os olhos ainda fixos na escuridão onde as criaturas fúngicas haviam desaparecido.
— Parece que sim — disse Doc. Mas a certeza havia sumido da voz. A adrenalina se fora, deixando apenas o peso do pressentimento.
Bússola não se moveu para seguir os atacantes. Seu olhar permanecia no escuro. Mas a verdadeira ameaça... não estava lá fora.
— Echo! — gritou, girando em direção ao operador de comunicações caído.
Echo estava largado contra uma rocha, respirando de forma irregular e fraca. Uma seringa quebrada ainda estava cravada no braço.
Doc já estava ajoelhado ao lado.
— Deixa eu ver. Fica parado.
Echo gemeu baixinho.
Doc puxou a agulha — e congelou.
Uma teia azul-escura se espalhava sob a pele de Echo, infiltrando-se nas veias como tinta em vidro rachado. O sangue... estava ficando negro.
— O sangue dele... tá mudando — murmurou Doc.
A pele de Echo empalidecia. Suor brilhava em sua testa.
— A gente não tem antídoto! Não temos nada! — gritou Rivet, a voz à beira do pânico, enquanto os olhos vasculhavam a caverna em busca de um milagre que não existia.
Doc cerrou o maxilar. Não respondeu — apenas arrancou ataduras e um cinto do kit médico.
— Precisamos retardar a propagação.
Ele amarrou com força acima do local da injeção — como se tratasse de uma picada de cobra.
Mas ninguém sabia se funcionaria.
Echo tremia, a respiração acelerando. Os lábios começavam a escurecer.
— O que diabos eles injetaram nele? — sussurrou Sphinx, torcendo os óculos nas mãos. — Veneno? Esporos? Um vírus?
Bússola vasculhou o chão. Algumas seringas estavam espalhadas entre os escombros — enormes, cheias de fluido azul luminoso. Largadas pelas criaturas fúngicas.
Ele pegou uma com cuidado pelo cilindro.
— Precisamos analisar isso. Levar com a gente — disse Doc com urgência.
Ele recolheu as seringas, guardando-as cuidadosamente num recipiente selado preso à mochila.
Rivet ajoelhou-se ao lado de Echo, um braço envolvendo os ombros dele como um escudo humano.
Doc checou o pulso. Sua expressão endureceu.
— Está disparando. Rápido demais...
Ninguém disse o que todos sabiam:
Eles estavam ficando sem tempo.
Bússola cerrou os punhos até os nós dos dedos estalarem.
Depois de tudo que tinham sobrevivido — seria assim que acabaria?
Um veneno de fungo na escuridão?
Não. Não desse jeito.
Então — movimento.
Um farfalhar.
— Abaixem-se — sussurrou Bússola.
Todos se lançaram atrás do que conseguiram encontrar como cobertura. Sphinx e Doc arrastaram Echo até uma saliência de pedra próxima.
Um pensamento terrível atravessou o medo:
As criaturas estavam voltando.
Figuras surgiram entre os troncos fúngicos.
Bússola estreitou os olhos.
Reconheceu as silhuetas.
A equipe da Sky.
Por um instante, a esperança se acendeu em seu peito.
— Ali estão eles! — gritou Sky, a voz tensa, afiada.
— Cuidado — sem filtros... e o que diabos há com o braço dele?
Bússola deu um passo à frente, pronto para explicar, implorar, falar.
Mas as palavras que vieram a seguir o atingiram mais forte que qualquer bala.
— Estão infectados. Atirem!
Os disparos vieram imediatamente.
Tiros cortavam o ar acima da equipe de Bússola.
Rasgavam a clareira fúngica, arrancando chapéus de cogumelo e rachando talos espessos. A cada rajada de disparos, explosões de esporos iluminavam a névoa. O pó fluorescente pairava no ar como neve tóxica.
— Cessar fogo! — gritou Bússola.
— Não estamos infectados!
Nenhuma resposta — apenas o trovão das armas.
Rivet se abaixou, protegendo Echo com o corpo. Ele mal se movia, a respiração rasa. A bandagem em seu braço já estava encharcada. As veias haviam escurecido para um tom verde-negrume doentio, pulsando com uma cor antinatural.
— Sky! — Bússola gritou, espiando por entre a cobertura por um segundo.
— Isso é um erro! Não somos inimigos!
Um tiro respondeu.
Errou — por pouco.
Bússola se jogou de volta atrás da pedra, ofegante.
— Você tentou — murmurou Rivet, sem olhar para trás.
— Eles já tomaram a decisão.
— Não — respondeu Bússola em voz baixa. — Eles só estão com medo.
A voz estava rouca, mas firme. Não havia raiva em seus olhos.
— No lugar deles, talvez tivéssemos feito o mesmo...
— Eles não conseguem nos ouvir — sussurrou. — Na cabeça deles, já estamos mortos.
Do outro lado da clareira, Thunder e Shade avançavam — passo a passo, de maneira metódica, como máquinas, sem deixar aberturas. Sem dar chance alguma.
— Estão se movendo em curva — observou Doc.
— Se não sairmos agora, vão nos cercar.
— Se sairmos, vão nos fuzilar — murmurou Sphinx, o pânico tomando sua voz.
Uma bala ricocheteou na rocha acima deles. Fragmentos de pedra choveram.
— Precisamos de uma distração — rosnou Rivet, os olhos correndo pela área.
Mas o teto era alto demais — quinze, talvez vinte metros. Impossível provocar um colapso. Sem chance de trazer aquilo abaixo.
Então Bússola viu.
Um cogumelo gigantesco. Mais grosso que um tronco de árvore. Grande demais para ser estável.
— Aquele — apontou. — Derrube-o. Vai atrair a atenção deles.
— Entendido — respondeu Rivet, já se movendo.
Ativou o cortador acoplado ao pulso, abaixou-se e correu sob o fogo cruzado. Ao alcançar a base, enfiou a lâmina aquecida no talo. O vapor chiou. As fibras cederam e estalaram sob a pressão. Ela se movia depressa, traçando cortes profundos pelo núcleo.
— Vamos... — rosnou entre os dentes. — Cai!
Um último corte — e a enorme copa começou a inclinar.
Com um estalo pesado e orgânico, o talo cedeu. O cogumelo tombou em direção aos atacantes, lançando nuvens de esporos e pedaços de carne fúngica no ar. O estrondo ecoou pela caverna.
— Agora! — gritou Bússola.
Eles correram.
Doc e Sphinx carregavam Echo entre eles. Rivet caiu de joelhos e ativou o modo defensivo — placas reforçadas deslizaram pelo exotraje, travando-se nas costas como um escudo vivo.
Balas ricocheteavam nas placas com baques surdos e metálicos.
A blindagem resistia.
— Vão! — gritou Rivet. — Tô cobrindo vocês!
O grupo correu sob a proteção do escudo.
Bússola ia na frente, abrindo caminho, afastando escombros, guiando-os rumo à única direção que restava:
Adiante.
Outra rajada de tiros cortou o ar.
Um estilhaço atingiu o ombro de Bússola — rasgando o traje, queimando a pele por baixo.
Sob o escudo blindado de Rivet, com os ricochetes assobiando ao redor, a equipe de Bússola se lançou ainda mais fundo na floresta fúngica. Aquela armadura já os salvara antes — durante escavações arqueológicas — protegendo-os de armadilhas com estacas e dardos envenenados.
Agora, servia contra balas.
Colossais chapéus de cogumelo passavam por eles como sombras em dança frenética.
Em algum ponto atrás, gritos ecoavam — a equipe de Sky ainda em perseguição.
Bússola ia na frente, desviando entre pilares fúngicos e estalactites, abrindo caminho.
Atrás dele, Doc e Sphinx arrastavam Echo, lutando para manter-se em pé.
Rivet fechava a retaguarda — sua armadura rangendo sob o esforço, mas resistindo.
Então veio o som de água corrente — crescendo.
Gotas engrossavam a escuridão, e era como correr em meio a uma tempestade feita de tinta.
Eles corriam quase cegos —
corações disparados,
o sangue rugindo nas têmporas —
E então: o vazio.
O chão desapareceu sob seus pés.
Rivet, apenas alguns passos atrás de Bússola, só teve tempo de vê-lo sumir —
Ali num segundo,
e no seguinte… nada.
— Cuidado—! — começou Doc a gritar —
Tarde demais.
Um por um, os cinco despencaram.
Caíram em queda livre —
batendo em saliências,
escorregando sobre pedra coberta de musgo,
tentando se agarrar ao impossível.
O mundo girava num redemoinho vertiginoso —
E então veio a água.
Gélida. Negra. Ensurdecedora.
Bússola foi puxado para baixo, levado pela corrente de um rio subterrâneo gelado.
Girava sem controle, cada direção era a errada.
Sombras dançavam no breu —
braços, torsos — sua equipe, igualmente perdida.
Ele emergiu por um instante, arfando.
Perto dali, ouviu o grito de Rivet.
Ela flutuava — seu exotraje sustentado pelo sistema de ar comprimido.
Certa vez, quase se afogara numa câmara inundada.
Desde então, instalava sempre aquela função.
Mas o rio subterrâneo não se importava.
Ninguém sabia —
onde havia margem,
onde havia saída,
onde haveria salvação.
A corrente os arrastava com força crescente.
Bússola estendeu a mão, tentando agarrar-se —
uma pedra, uma borda —
Seus dedos só encontraram limo escorregadio.
O sangue se misturava aos respingos.
Os pulmões ardiam.
A força fugia.
Então veio a última onda —
Uma pancada final, esmagadora.
E ele afundou.
Então é assim,
pensou Bússola.
Não serão balas... mas um rio negro que ninguém jamais encontrará.
Afundou sob a superfície —
no silêncio frio e indiferente da morte.
A correnteza gelada do rio subterrâneo lançou os cinco exploradores exaustos nas trevas, golpeando-os como madeira à deriva em uma tempestade. Por vários minutos torturantes, eles lutaram por cada respiração — engolindo água, sufocando, desesperados para não afundar.
E então, finalmente, a torrente começou a ceder.
Foram arremessados contra uma margem rochosa, sob um teto cavernoso colossal.
Bússola foi o primeiro a emergir. Tossindo e cuspindo água, rastejou cegamente para a frente, os dedos arranhando a pedra irregular.
— Todos... vivos? — arfou ele na escuridão.
Respirações pesadas responderam.
— Parece que sim. Por enquanto... ainda tô respirando — veio a voz de Rivet, trêmula.
— Eu... estou aqui — murmurou Sphinx, cambaleando de pé. — Echo? Doc?
— Estamos todos aqui — respondeu Doc, a voz abafada. Ele segurava Echo ereto, ajudando-o a se sentar.
Echo gemeu, agarrando o ombro — exausto, esvaziado pela corrente, mas consciente.
Aos poucos, a equipe inteira se reuniu em solo firme.
Encharcados, machucados, cobertos de lama — mas vivos.
Ao redor deles, reinava um silêncio estranho:
apenas o som constante de gotas d’água sobre pedra,
e o leve ruído do rio atrás deles —
o mesmo rio que os salvara das balas.
Sem mais tiros. Nenhuma voz.
A equipe de Sky, ao que parecia, ficara para trás.
Bússola soltou um longo suspiro.
A traição ainda queimava em seu peito,
mas no momento, a sobrevivência era o que importava.
— Temos que seguir — sussurrou ele, espiando a escuridão espessa da caverna.
Tudo ali parecia diferente.
Quase não havia cogumelos bioluminescentes — apenas alguns chapéus esparsos emitindo um brilho pálido e fantasmagórico.
Luz suficiente apenas para delinear o que pareciam colinas suaves à distância.
E além disso... nada.
Apenas trevas densas, quase vivas — como se observassem.
Avançaram com cautela, colados uns aos outros.
Ninguém queria ficar para trás.
Cada passo ecoava sob a abóbada alta —
como se a própria caverna os escutasse.
Doc olhava ao redor nervoso, agarrando seu kit médico como se fosse uma âncora.
O silêncio esmagador corroía seus nervos. Ele murmurou:
— Não gosto disso... Qualquer coisa pode estar escondida aqui.
E se for como aquelas criaturas de antes... lembra?
Engoliu seco, assombrado pela lembrança.
Bússola apenas assentiu.
Doc não estava errado.
Pararam, atentos ao menor som.
A escuridão parecia prender a respiração.
O coração de Rivet batia nos ouvidos.
Echo respirava com esforço, lento, sem ousar se mover.
Segundos arrastaram-se como horas.
Nada.
Apenas gotas caindo no vazio.
O silêncio era tão profundo que rugia dentro da cabeça.
Doc expirou — e sem perceber, seu dedo roçou o botão da lanterna.
Um clarão súbito.
— Não acende a luz! — sibilou Bússola, puxando o braço dele para baixo.
Tarde demais.
Um fino feixe de luz branca cortou a escuridão, revelando montes caóticos de detritos bizarros mais à frente. Por um breve instante, a luz refletiu em algo metálico—polido, reluzente.
Então tudo mudou.
Um som baixo, um farfalhar sinistro, percorreu o chão da caverna.
As sombras começaram a se mover.
— O que é isso... — sussurrou Sphinx.
Formas se agitaram — indefiníveis, amorfas.
Uma massa de escuridão viva rolava em direção a eles, como já fizera naquele túnel.
Doc estava de pé, lanterna na mão, completamente imóvel.
Algo frio — sólido e ao mesmo tempo fluido — roçou seu braço.
Não teve tempo de gritar.
Das trevas, dezenas de apêndices negros avançaram.
Tentáculos. Membros.
Algo vivo — e faminto.
— Aaaaah!
O grito de Doc rasgou o silêncio da caverna.
Ele cambaleou para trás, mas o feixe de luz em sua mão trêmula o transformou num alvo perfeito.
As sombras se lançaram sobre ele de todas as direções.
Finalmente, Ren e os outros puderam vê-las claramente: estruturas de sucata distorcidas — braços e juntas robóticas sem forma — fundidas a matéria orgânica pulsante, tecidas com filamentos de fungos e micélio.
Um emaranhado rastejante de destroços tecno-orgânicos gemeu com ferrugem e exalou podridão.
E tudo isso avançava para uma única coisa:
a luz.
Doc.
Ren saltou para frente, mas metade do corpo de Doc já desaparecia na massa pulsante.
Não era devorado, exatamente —
Estava sendo absorvido. Como areia movediça.
Rivet e Sphinx avançaram, mas ela gritou:
— Não! Está por toda parte... está se movendo!
Ela puxou Sphinx para trás, salvando os dois de um passo fatal.
Echo gritou, paralisado pelo horror:
— Doc!
Ren agarrou um dos "braços" metálicos que puxavam Doc, forçando com toda sua força.
Por um momento, ele conseguiu resistir ao avanço —
Mas o puxão seguinte arrancou Doc de seus dedos.
A lanterna em sua mão girou, iluminando seu rosto em lampejos partidos: olhos arregalados em terror, a boca congelada em um grito —
Depois, silêncio.
A escuridão o envolveu como uma boca faminta.
O feixe apagou.
Um estalo.
Depois, o breu absoluto.
O grito foi interrompido de súbito.
O último som foi o arrastar lento do metal, engolido pela caverna.
E então—
Silêncio.
— Doc... —
A voz de Rivet era um sussurro quase inaudível. O som do próprio coração martelava em seus ouvidos. Ninguém se mexia.
Um calafrio paralisante tomou o grupo.
Seu amigo — e único médico — havia sumido, engolido por uma escuridão viva.
Eles permaneceram imóveis, incrédulos.
Os dentes de Echo cerraram-se; raiva silenciosa queimava em seus olhos.
— Eu odeio isso... essa abominação nojenta — cuspiu.
Tentar resgatar Doc seria suicídio.
Sphinx respirava de forma irregular, incapaz de aceitar: há segundos, Doc estava ali... e agora não mais.
Rivet levou a mão trêmula até a boca, lutando contra as lágrimas.
As mãos de Ren se fecharam com tanta força que os nós dos dedos doíam.
Mas ele forçou a mente a funcionar.
Pânico agora só os levaria à morte.
Inspirou fundo. A voz, rouca:
— Ninguém se move. Nada de luz.
A equipe permanecia imóvel na escuridão, mal ousando respirar.
Tudo agora estava claro: aquela “massa cinzenta” reagia à luz. Se não emitissem som—se não se movessem, nem acendessem nada—talvez sobrevivessem.
Um momento...
Depois outro...
Silêncio.
Seus corações batiam com força, mais altos que qualquer ruído ao redor.
Ren esticava os ouvidos, tentando captar algo—qualquer coisa—esperando desesperadamente ouvir a voz de Doc, ou pelo menos algum som final e horrível que confirmasse o que temia.
Mas a caverna estava absolutamente quieta.
A dor da perda se insinuava em seu peito, queimando como ácido em suas veias.
Doc… teria mesmo sido levado?
Ren apertou os dentes até a mandíbula doer. Não podia se permitir fraquejar. Não agora.
Os minutos se arrastaram, dolorosamente longos.
— Nós… deixamos ele lá… — sussurrou Sphinx, a voz tremendo.
— Ele pode estar vivo — respondeu Ren, em voz baixa, mesmo sem saber se acreditava na própria esperança.
— Se eles não atacaram... talvez Doc ainda esteja aguentando.
Aquele fio de esperança era fraco, mas todos se agarraram a ele como náufragos.
Então, ao longe—um gemido.
Fraco. Mas humano.
Rivet cutucou Ren.
— Você ouviu isso?!
Ele assentiu—embora ninguém o visse na escuridão—e murmurou:
— Doc... é ele!
Outro gemido. Débil, mas inconfundivelmente humano.
Doc estava vivo.
Sem dizer uma palavra, quase correram até ele—mas travaram no mesmo instante.
Investir às cegas seria suicídio. Um passo errado podia desencadear outro ataque.
Ren levantou a mão, sinalizando para que ficassem parados.
Ele e Rivet avançaram em silêncio absoluto, passo por passo.
Com os olhos adaptando-se à penumbra, conseguiram distinguir formas. Um brilho esverdeado distante, vindo dos cogumelos, desenhava os contornos.
À frente, havia pilhas de metal retorcido, matéria orgânica e teias fúngicas—uma confusão que parecia impossível de atravessar.
Mas o som se repetiu—um pouco mais à direita.
Avistaram uma fenda estreita entre os entulhos. Abaixando-se, esgueiraram-se por ela, mergulhando naquele labirinto sombrio de sucata e fungos.
Por fim, Ren vislumbrou uma silhueta humana caída entre o metal torto.
Doc.
Ele jazia estendido sobre uma cama improvisada de sucata, quase invisível na penumbra.
Rivet chegou primeiro. Prendendo a respiração, começou a soltar os “braços” metálicos—um emaranhado de estruturas fundidas com fungos—que envolviam seu corpo.
Ren a ajudou em silêncio. Juntos, levantaram um fragmento pesado que prensava a perna de Doc.
Ele gemeu ao ser movido, mas era um som de vida.
— Calma… estamos aqui — murmurou Ren, apoiando Doc nos ombros.
— Vamos te tirar daqui…
Após alguns minutos tensos, conseguiram libertá-lo daquela prisão grotesca.
Sphinx e Echo se aproximaram, ajudando a arrastá-lo até uma clareira pequena, iluminada apenas por um cogumelo pálido—sua única fonte de luz.
— Doc, consegue me ouvir? — perguntou Rivet, inclinando-se sobre ele.
Ele estava pálido. Um filete de sangue escorria da têmpora, e os olhos estavam vidrados de choque—mas respirava.
Rivet deixou escapar um soluço abafado e o abraçou, lágrimas de alívio escorrendo silenciosas.
— Graças aos deuses… quase te perdemos… — murmurou Sphinx, com a voz falha.
— Cara… a gente achou que… — disse Echo, sem conseguir terminar.
Doc contraiu o rosto de dor, mas ergueu a mão trêmula para tocar o ombro de Echo.
— Estou… estou bem… eu acho… — sussurrou.
— Nem acredito… que consegui…
Ainda atordoado, apalpou às cegas em busca de sua bolsa médica. Quando a alcançou, relaxou um pouco.
Tentou sorrir—mas virou uma careta de dor. Ainda assim, os outros soltaram risos abafados. Foi o único alívio possível naquele momento.
Estavam juntos de novo.
Echo, comovido, quase ligou a lanterna para examinar Doc—mas Ren segurou seu pulso e balançou a cabeça.
Mesmo agora, um facho de luz podia ser fatal. Teriam que tratá-lo no escuro quase total.
Felizmente, os ferimentos pareciam não ser fatais: hematomas, um corte na testa, sinais de trauma.
Depois que a luz apagou, a massa escura aparentemente perdeu o interesse e o descartou, sem vê-lo mais como alvo.
— Que coisa era aquela? — sussurrou Sphinx, lançando um olhar nervoso às pilhas ao redor.
— Aquela… coisa viva…
Seus olhos, finalmente adaptados à penumbra, absorviam a vastidão diante deles — uma paisagem de destroços metálicos mergulhada em fungos, como os contornos de um campo de batalha esquecido. Tudo estava envolto no brilho esmeralda difuso dos cogumelos distantes.
— Parece um cemitério,
— sussurrou Sphinx, com a voz rouca.
— Uma espécie de... túmulo de máquinas.
Rivet caminhava alguns passos atrás. Os servos do exotraje chiavam suavemente a cada movimento. Ela se agachou ao lado de um torso robótico corroído, que reluzia fracamente na penumbra. Um emaranhado de filamentos fúngicos pálidos atravessava suas articulações como vinhas invasoras. Com cuidado, ela puxou um braço mecânico solto. Aproximando-o de um aglomerado de fungos bioluminescentes, examinou o metal retorcido.
— Isso não é só sucata,
— murmurou.
— É definitivamente o braço de um robô... talvez bípedo, ou algum tipo de operário automatizado. O fungo cresceu até o núcleo.
Ren se aproximou, ajoelhando-se ao lado dela. Mesmo com o brilho fraco, a silhueta esquelética era inconfundível: um membro robótico, agora meio dissolvido pelo tempo e por fios microbianos. Ele se lembrou de rumores — laboratórios subterrâneos, fundições esquecidas há séculos.
— Então eles não estão vivos,
— disse em voz baixa.
— Apenas... máquinas quebradas, cobertas por fungos. Mas parecem... mortos-vivos.
— Myco-zumbis,
— murmurou Echo com um sorriso torto, encarando o troféu estranho.
Doc, ainda ofegante, fez um leve aceno.
— Exatamente... Os esporos devem ter corrompido os sistemas deles,
— arfou.
— Eles já não enxergam ou ouvem de verdade.
— Mas ainda reagem à luz — especialmente feixes focados.
— Não é porque nos reconhecem... é só que são atraídos por ela. Sem mente. Sem direção. Como mariposas na chama.
Ren sentiu um leve alívio. Dar nome àquilo — Myco-Zumbis — tornava tudo menos monstruoso. Apenas robôs quebrados, vagando sem rumo pela escuridão, atacando tudo que brilhava demais.
— Então é por isso que atacavam sempre que ligávamos uma lanterna,
— concluiu.
— Não são cruéis. Só estão... seguindo o brilho.
Rivet limpava teias fúngicas de outro pedaço de tecnologia antiga. O traje chiava quando ela se mexia. Com precisão cirúrgica, cortou uma massa viscosa de raízes, revelando a carcaça de um robô sob o limo. Dentro, algo brilhou.
— Ei...
— sussurrou, afastando o último resíduo de mofo.
— Isso parece... uma bobina de Tesla. Vejam os enrolamentos em camadas?
Os cinco se inclinaram. As sobrancelhas de Sphinx se ergueram — por um instante, a tensão abandonou seus ombros.
— Uma bobina de Tesla? Dentro de um robô?
Apesar da escuridão sufocante, Ren percebeu um alívio sutil no grupo. O medo do desconhecido era insuportável. Encarar aqueles cadáveres mecânicos revelava, ao menos, um traço de lógica no pesadelo.
Mas a explicação também levantava novas perguntas.
Sphinx gesticulou em direção às pilhas de metal calado — um mausoléu tecnológico.
— O que aconteceu aqui? Parece um cemitério inteiro de máquinas... ou pior. Houve uma guerra? Um colapso? Foram simplesmente... descartados?
Ren olhou ao redor. Algumas carcaças lembravam androides humanos, outras eram montadas sobre esteiras ou pernas artrópodes. Chassis retorcidos, placas destruídas, cabos espalhados como vísceras num cenário de horror.
Rivet passou as costas da mão pelos olhos úmidos. Quase perdera Doc naquele ataque horrível. Agora via a escala real da ameaça. Além da fraca luz dos cogumelos, as montanhas de sucata estendiam-se em ravinas e cordilheiras de aço enferrujado.
— Um exército inteiro,
— murmurou, com a voz trêmula.
— Enterrado aqui. Esquecido. Ou jogado fora como lixo.
Sphinx inspirou fundo, tentando se recompor.
— Mas... se usavam bobinas de indução como Tesla, isso significa que, em algum ponto desse complexo, ainda há um gerador ativo. Mesmo após séculos.
O rosto de Rivet se iluminou com uma centelha de esperança.
— Exato. Se essa estação ainda funciona — talvez possamos acessá-la. Ampliar a transmissão do Echo ou encontrar uma linha direta para fora. Poderíamos pedir ajuda. Ou pelo menos descobrir se alguém ainda está escutando.
O silêncio caiu. A esperança, prestes a se apagar, agora cintilava de novo. Talvez ainda houvesse um modo de alcançar a superfície.
Ren soltou um longo suspiro e vasculhou o labirinto de ruínas.
— Certo,
— disse.
— Se essa estação ainda estiver operante, é nossa melhor chance. Não podemos ficar aqui, escondidos no escuro e fugindo de robôs quebrados. Vamos tentar seguir os cabos até a origem.
— Me deem um minuto...
— disse Echo, tocando o braço dolorido.
— Mas sim... Se encontrarmos o console principal, posso tentar acessar o sistema. Se a estrutura ainda estiver inteira, deve haver um modo de enviar um sinal forte.
Doc passou a mão pelos cabelos molhados.
— Ainda não consigo acreditar que essas coisas aguentaram tanto tempo,
— murmurou.
— Deve ter sido alguma civilização avançada... ou um laboratório experimental que ninguém mais conhecia.
Ren assentiu lentamente, lembrando de rumores sobre cidades subterrâneas.
— Ou alguém desligou tudo de propósito. Ou houve um acidente que deixou tudo isso para apodrecer.
O cheiro ácido de mofo e ferrugem invadiu o ar, provocando um arrepio involuntário em Rivet.
Se foi um acidente — foi colossal.
Se foi intencional… o motivo poderia ser muito mais sombrio.
Antes que alguém pudesse responder, um ruído agudo rompeu o silêncio: gritos, vindos do alto.
O clangor metálico soou como passos correndo sobre uma plataforma acima.
— Eles estão aqui! Rápido, abaixem-se!
— gritou uma voz, ríspida de urgência.
O coração de Ren afundou.
Ele reconheceu aquela voz.
A equipe da Sky.
Ren se encolheu e imediatamente fez sinal para todos se abaixarem.
Lá em cima, nas montanhas de sucata, passos pesados soavam e ordens eram gritadas. Ele conhecia aquela voz.
Sky.
A equipe dela os havia encontrado—de novo.
Mas não acenderam suas lanternas.
De alguma forma, ainda conseguiam vê-los.
Nenhum feixe cortava a escuridão. Nenhum clarão denunciava sua posição. E mesmo assim os passos avançavam—deliberados, rápidos—se aproximando com uma certeza inquietante.
— Como…?
— murmurou Ren, quase sem som.
— Estão nos rastreando... no escuro.
A realização percorreu a espinha de todos como gelo.
De algum modo, Sky e sua equipe se moviam por aquela zona morta como se não fossem cegos. Como se a escuridão não fosse ameaça—mas sim uma arma.
Ao contrário deles, não precisavam de luz.
E isso os tornava muito mais perigosos.
— Abaixem-se!
— sibilou Ren.
Eles se jogaram nas sombras entre pilhas retorcidas de metal.
Respiração pesada. Nenhuma luz. Mas acima deles, silhuetas armadas desciam—precisas, silenciosas.
Sem lanternas.
Mas enxergavam.
— Tentem se esconder, e só vai piorar!
— a voz de Mamba cortou o silêncio—afiada, próxima demais.
Ren cerrou os dentes. Sem espaço para correr.
E então—
— Movimento! À esquerda!
Em vez de tiros, houve um estalo abafado.
Algo voou pelo ar—e atingiu a pedra com um baque úmido.
— Granada?!
— Ren reagiu instintivamente.
Mas nenhuma explosão seguiu.
Apenas um chiado—e então, luz.
Uma esfera amarela começou a pulsar em estalos irregulares, iluminando o chão coberto de destroços.
— Tirem isso daqui! Apaguem!
— gritou Rivet.
Tarde demais.
De todas as direções, veio o ranger crescente de metal se contorcendo.
Um a um, os corpos retorcidos de antigas máquinas começaram a se erguer—
um exército morto-vivo de robôs atraído pelo pulso ofuscante da esfera.
Com um estrondo de ferro e guinchos, a horda ganhou vida,
escalando-se uns aos outros, fundindo-se numa avalanche de sucata viva.
Tudo convergia para um único ponto:
a esfera cintilante próxima ao grupo de Ren.
— Recuar!
— bradou Ren.
Ele se lançou à frente, agarrou a esfera pulsante—e a lançou o mais longe que pôde, em direção ao leito do rio.
A esfera girou no ar, ainda piscando.
No instante exato.
A massa metálica os ultrapassou, a centímetros de esmagá-los.
Um mar de ruídos e aço desviou, seguindo o brilho lançado.
Mas o perigo não havia passado—o grupo de Sky ainda estava ali.
— Corram!
— gritou Ren, levantando-se.
— Enquanto as máquinas ainda se movem!
Eles dispararam.
Usando o caos como cobertura, correram mais fundo pelo labirinto.
Atrás deles, a voz de Mamba soou:
— Parem!
Mas ninguém obedeceu.
Ren liderava, serpenteando entre carcaças enferrujadas.
A escuridão voltava a se fechar, rompida apenas por clarões distantes de disparos—
iluminando brevemente as silhuetas em fuga.
Balas zumbiam, ricocheteando no metal.
E então—abertura.
Ren tropeçou em uma clareira larga.
Deu dois passos—e o chão desapareceu.
Placas metálicas escorregadias cederam—
e todo o grupo despencou num abismo escancarado.
Sem tempo para gritar.
Apenas o clangor do metal ativado,
alguns gritos sufocados—
e o impacto dos corpos abaixo.
A queda não foi longa —
robôs quebrados e tapetes espessos de fungos amorteceram o impacto.
Caíram com força, afundando-se no fundo do poço, engolidos por uma escuridão quase total.
Só a respiração entrecortada da equipe rompia o silêncio.
Bem acima, o ranger de máquinas ainda ecoava —
o vasto enxame de robôs mortos ainda se agitava na superfície, atraído pelo mais leve lampejo de luz.
De tempos em tempos, vozes abafadas de seus perseguidores ressoavam…
e lentamente desapareciam, engolidas pela distância.
— Sem luzes,
— arfou Ren, apoiando-se em um dos cotovelos.
— Pode haver mais aqui embaixo...
Ninguém discordou.
A lembrança do que a luz havia invocado da última vez ainda era muito vívida.
Um erro quase lhes custara uma vida.
Até agora, Doc estremecia só de lembrar, a respiração instável.
Durante um longo minuto, ninguém se mexeu.
Permaneceram imóveis naquela escuridão sufocante, com medo até de respirar alto.
O único som era a vibração tênue do metal ao redor —
um lembrete de que algo imenso ainda se escondia nas profundezas.
— Como… como saímos daqui?
— sussurrou Sphinx.
— Sem ideia,
— respondeu Doc entre fôlegos.
— Parece… uma espécie de baía de manutenção.
Ren tateava no escuro, procurando sua mochila.
— Primeiro, descobrimos onde estamos. As luzes ficam desligadas.
Então—
— Espera — os óculos de visão infravermelha!
— a voz de Rivet cortou com uma centelha de esperança.
— Nós os trouxemos para os túneis, lembra?
Os olhos de Ren se arregalaram.
Claro.
Exploradores experientes… esquecendo do próprio equipamento.
Mas depois de tudo que haviam passado, pensar tinha dado lugar à sobrevivência.
Rivet e Echo já vasculhavam suas mochilas.
Segundos depois — sucesso.
Echo ligou o primeiro par, e uma tênue malha de feixes infravermelhos se projetou pela câmara.
Formas emergiram da escuridão.
Eles estavam deitados num fosso de máquinas antigas, cercados por robôs desativados e componentes despedaçados.
No fim do salão, enormes moedores industriais permaneciam congelados no tempo.
Membros de andróides retorcidos e carcaças deformadas jaziam sobre uma esteira quebrada.
Trilhas de metal moído riscavam o chão —
vestígios fantasmas de onde antes algo se movia.
Agora tudo estava parado. Frio. Silencioso.
Avançaram com cautela, as botas rangendo sobre o entulho,
seguindo em direção ao que parecia ser um antigo fundidor ou incinerador.
Os arcos metálicos curvos, que outrora canalizavam ligas fundidas, ainda brilhavam sob o infravermelho —
um batimento fossilizado de uma máquina há muito adormecida.
Ao saírem da esteira, a dimensão do lugar finalmente se revelou.
E por um momento — apesar de tudo — alguém quase soltou um suspiro.
— Uau…
— murmurou Rivet.
— Tem… tanta coisa. Estruturas por toda parte.
A vasta câmara se abria diante deles como uma catedral enterrada —
paredes de painéis enferrujados, esteiras silenciosas, braços robóticos congelados no tempo.
Acima, estruturas metálicas esqueléticas desapareciam no escuro como as costelas de uma besta extinta.
E contra as paredes distantes, torres de máquinas — muitas ainda de pé, travadas em meio a um movimento como se aguardassem um comando que jamais veio.
— Uma instalação de processamento,
— murmurou Rivet, com reverência.
— Isso explica as montanhas lá em cima. Eles traziam tudo para cá para desmontar…
e simplesmente pararam.
— Então o cemitério acima — é o que nunca passou pelo sistema,
— disse Ren, em tom baixo.
— Ou talvez o lugar inteiro só… tenha sido desligado.
Sphinx estreitou os olhos, examinando mais fundo as sombras.
— Ali… aquele corredor. Leva mais adiante. Pode ser uma saída.
— Ou outro túnel cheio de pesadelos metálicos,
— murmurou Echo.
Avançaram devagar, encostados à parede, tomando cuidado para não perturbar nada.
Cada passo soava como um estalo de metal oco.
O cemitério ganhava nitidez sob o infravermelho:
linhas de montagem, guindastes imóveis, braços inertes…
e silhuetas de máquinas que pareciam… vivas.
— Elas parecem… vivas,
— sussurrou Sphinx.
No extremo oposto da sala, encontraram uma escotilha selada —
um painel metálico inclinado no canto de uma parede.
Rivet se aproximou, os servos de sua exoarmadura chiando levemente enquanto ela se apoiava.
Os músculos tremiam de exaustão, mas ela hesitou em ativar força total.
Ruído ainda podia atrair… o que quer que estivesse por ali.
Ela trabalhou o painel devagar, com cuidado.
O metal gemeu em protesto, mas cedeu o suficiente para que uma corrente de ar frio e viciado escapasse por uma fresta.
— E agora, Bússola?
— perguntou Echo, se inclinando para a abertura.
— Seguimos em frente,
— respondeu Ren, a voz firme e baixa.
— Reunir forças. Encontrar uma saída deste lugar.
A respiração contida, os passos medidos, a equipe avançou —
para o coração sombrio do mundo esquecido das máquinas.
E com eles, seguiu um pacto silencioso:
Eles não perderiam mais ninguém.
Logo adiante, eles avistaram uma pequena sala lateral — sua porta pesada entreaberta.
Através dos óculos infravermelhos, escanearam as sombras além. Nenhum movimento. Nenhuma assinatura térmica.
— Parece limpo,
— sussurrou Bússola, espiando com cautela para o interior.
As paredes estavam forradas com painéis de controle antigos, consoles enferrujados e cabos que emergiam do chão como nervos expostos.
Parecia uma velha estação de utilidades — modesta em tamanho, em grande parte intacta e, pela primeira vez em horas, livre de qualquer sinal de carnificina.
Os outros entraram, ainda tensos… até confirmarem que o espaço estava realmente vazio.
Só então os ombros começaram a relaxar.
— Finalmente… um lugar pra respirar,
— exalou Bússola.
— Acho que podemos arriscar um pouco de luz.
Sem hesitar, Rivet puxou uma lanterna compacta de acampamento.
Click.
Um brilho suave preencheu o ambiente, espalhando uma névoa quente sobre paredes corroídas, terminais empoeirados e máquinas há muito mortas.
Pela primeira vez em horas, puderam ver uns aos outros sem o tom fantasmagórico do infravermelho.
Parecia… humano de novo.
— Esperemos que isso não atraia caçadores de luz,
— murmurou Sphinx.
— Eu não faria isso no corredor,
— respondeu Bússola, dando de ombros.
— Mas aqui... temos uma porta, uma entrada estreita. Difícil imaginar aquelas latarias gigantes passando por aqui despercebidas.
Echo inspecionou as dobradiças e a estrutura. Estava sólida. Se algo surgisse, poderiam barricá-la.
Mas agora, sob a luz suave, Doc notou algo inquietante:
Três deles — Bússola, Rivet e Sphinx — apresentavam marcas sutis na pele.
Rivet tinha uma mancha pálida no pulso.
Bússola, uma descoloração sutil ao longo do pescoço.
Sphinx — pequenas manchas no antebraço.
Doc verificou discretamente sua própria perna, onde o traje havia se rasgado na queda.
Sob o tecido, pontos escuros haviam se espalhado pela pele como tinta em vidro rachado.
— Bem…
— murmurou Doc, puxando o tecido de volta.
— Parece que pegamos uma infecção fúngica — quando os filtros rasgaram. Depois vieram os esporos… o rio… o ferro-velho.
— Faz sentido,
— disse Bússola, com o semblante carregado.
— E o Echo?
Todos se voltaram. Echo examinou os braços, o pescoço, o maxilar —
Nada. Nenhuma marca. Nenhuma descoloração. Nenhum sinal de infecção visível.
Trocaram olhares. A realização pairou como névoa.
— Aquele primeiro encontro,
— murmurou Sphinx,
— quando aquelas coisas o injetaram…
— Eles não estavam atacando,
— concluiu Doc.
— Estavam tratando. Aquilo não era veneno — era antifúngico.
— Então eles não eram zumbis,
— disse Rivet, incrédula.
— Eram… medbots?
— Parece que sim,
— Doc assentiu.
— Sistemas redundantes. Protocolos médicos. Energia reserva. Faz sentido terem durado mais que os outros.
O silêncio se instalou. Uma compreensão frágil.
Bússola se sentou ao lado de um console enferrujado, arrastando a mão pelos cabelos.
— Então… confundimos médicos com monstros.
Agora temos esporos sob a pele — e o Echo não.
Doc piscou, lembrando.
— As seringas,
— disse, vasculhando sua mochila.
— Peguei algumas deles… por precaução.
Colocou-as sobre um painel metálico. Os outros se aproximaram.
Duas ampolas cheias. E uma rachada, meia dose.
— Se isso foi o que salvou o Echo…
— disse Sphinx, suavemente,
— Pode funcionar. Mas não é suficiente para todos.
— Então quem decide?
— perguntou Doc, em voz baixa.
— Como escolhemos quem será curado?
Ninguém respondeu. O peso da pergunta sufocava o ambiente.
Então Rivet falou.
— O Echo está seguro. Restam quatro. Vamos entender exatamente o que temos.
Bússola assentiu.
— Quatro pessoas. Duas doses e meia.
Eu, Rivet, Sphinx, Doc.
— A minha parece ser a mais leve,
— disse Sphinx, arregaçando a manga.
— Fico com a meia dose. Deem as completas para quem tiver os sintomas mais avançados.
— Mesma coisa aqui,
— disse Doc.
— A minha está lenta. Bússola e Rivet devem ir primeiro.
Enquanto dividiam o soro, Echo se aproximou de um antigo armário vermelho desbotado.
Abriu-o com cuidado.
— Kit de primeiros socorros,
— murmurou.
— Ainda lacrado…
Lá dentro — bandagens. Gaze. Antissépticos básicos.
Nenhum antifúngico.
— Só primeiros socorros,
— suspirou.
— Mas se os medbots ainda estiverem por aí… talvez haja uma enfermaria.
Esperança. Fraca, mas real.
Concordaram: Bússola e Rivet receberiam as doses completas.
Sphinx ficaria com a dose parcial.
Doc — insistindo que podia esperar — ficaria com o que restasse.
Com mãos trêmulas, Doc aplicou as injeções.
Escolheu os pontos menos danificados, pressionando os êmbolos lenta e firmemente.
Bússola cerrou os dentes à medida que o líquido se espalhava.
— Melhor isso do que virar cogumelo…
Descansaram em silêncio. Em meio a essa calma, Sphinx virou-se.
Algo na parede o captara — um esquema meio enterrado. Um mapa.
Setas. Glifos desbotados.
Etiquetas em um alfabeto mais antigo do que qualquer um sabia nomear.
Apontava para duas áreas: Setor de Produção Principal e Ala Experimental.
E o mais estranho —
eles conseguiam ler.
Sem tradução. Sem hesitação.
Eles simplesmente… sabiam.
Ninguém parou para questionar. Ainda não.
Estavam cansados demais. Entorpecidos demais.
Mas com o soro pulsando em suas veias — e novas perguntas ardendo sob a pele —
reuniram seus equipamentos.
Os medbots fúngicos não eram inimigos.
Eram os últimos médicos de uma cidade esquecida.
Mas o mundo não estava mais seguro.
A fábrica ainda esperava.
Aço e silêncio.
E algo nas trevas…
que lembrava o motivo pelo qual havia sido construída.
Talvez ainda houvesse uma saída.
Talvez uma cura.
Ou talvez…
…a verdade fosse pior do que qualquer um deles havia imaginado.
Atlântida não desapareceu.
Ela foi enterrada.
Devorada.
Engolida por algo que eles só agora começavam a nomear.
O MycoCérebro.
A subida a partir da instalação de processamento de robôs tornava-se mais íngreme a cada passo. Musgos fúngicos grudavam no concreto envelhecido, e o ar rarefeito denunciava a altitude.
As botas arranhavam o pó de metal oxidado e resíduos carbonizados — sinais de antigos movimentos, há muito interrompidos.
Ninguém dizia nada.
Apenas o arrastar de passos e o silêncio oco da expectativa.
Então a encosta nivelou — e a estrutura surgiu.
Erguia-se com simetria desconcertante sobre a vegetação tomada.
Um monólito de concreto liso e aço, sua fachada cortada por ripas verticais de vidro reforçado.
Não parecia um armazém. Nem um posto de comando comum.
Era geométrico demais. Deliberado demais.
Na base: portões selados.
Massivos. Frios. Silenciosos.
Bússola se aproximou primeiro, passando a mão pela fenda central.
O mecanismo de travamento não era mecânico.
Magnético, talvez. Autônomo, outrora.
Mas morto havia séculos.
— Nada feito por aqui,
— murmurou.
Eles contornaram a estrutura. As paredes curvavam com o relevo, interrompidas apenas por painéis de vidro escurecido.
Então Echo apontou em silêncio:
— Ali.
Um dos painéis havia se quebrado há muito.
A fratura serpenteava como teia de aranha pela superfície. Vários estilhaços haviam caído, formando uma abertura irregular — estreita, mas passável.
Rivet chegou primeiro. Seu exotraje chiou enquanto ela escalava para dentro.
No interior: imobilidade.
O cheiro de ferrugem seca e resina queimada.
O chão, coberto de sedimentos e fios colapsados de fungo.
A sala era vasta, com escala de catedral — mas sem nenhum vestígio de religiosidade.
Este lugar fora feito para algo mais frio.
Era um espaço de pensamento. De cálculo.
O silêncio ali pesava.
Cada passo ecoava — limpo demais. Preciso demais.
Nada vivia ali. Mas algo... permanecia.
No centro do salão erguia-se uma plataforma.
Sobre ela, uma ampla mesa circular, meio soterrada por décadas de poeira.
Acima, uma cúpula espelhada refletia a luz tênue em ângulos distorcidos, devolvendo seus movimentos como ecos fantasmas.
Cravado na superfície da mesa: um mapa esculpido.
Não holográfico. Nem digital.
Sólido. Feito à mão. Monumental.
Estruturas em miniatura rodeavam um eixo central.
Marcadores geométricos. Forma. Pressão. Fluxo.
Sem escrita. Sem legendas. Sem nomes.
Duas figuras principais se enfrentavam.
Entre elas: um símbolo imenso — parte espada, parte eixo.
Atrás: uma árvore ornamental estranha, forjada em linhas espiraladas, como um brasão.
Ao redor, cubos marcavam direções. Fluxos. Padrões.
Mas nada era nomeado.
Aquilo não era um plano — era um ritual.
Um modelo de intenção, congelado no tempo.
Sphinx permaneceu em silêncio, olhos varrendo as peças.
Não tocou nenhuma.
Ninguém tocou.
Eles sentiam nos ossos: aquele espaço não era feito para operadores.
Era feito para arquitetos da guerra.
As paredes estendiam-se em abóbadas angulares.
Cada superfície, milimetricamente inclinada, acusticamente projetada.
Cada respiração ressoava.
Cada gesto ganhava peso.
E, próximo à parede do fundo — um corredor.
Um arco semiobstruído por uma pesada placa de aço, como se alguém tivesse partido às pressas e jamais retornado.
Além dele, um corredor. Estreito. Frio.
Descendente.
Bússola se aproximou sem precisar dizer uma palavra.
Sabia.
“Leva à Arena”,
pensou.
Não era palpite. Era certeza.
Tudo o que fora decidido ali…
fora posto à prova lá.
Eles hesitaram por apenas um momento.
A cúpula espelhada os observava partir.
E então cruzaram sob ela —
passando pelo círculo mudo das peças,
adentrando a boca de algo mais antigo que qualquer comando.
Onde decisões haviam se tornado design.
E design…
se tornara destino.
O corredor se abriu—
E diante deles se estendia uma arena colossal, tão vasta e silenciosa que parecia conter a respiração.
No centro, erguiam-se dois titãs.
Duas máquinas humanoides, com pelo menos quinze metros de altura, lado a lado como se tivessem sido congeladas no último instante de uma defesa final.
Entre elas, suspensa por um grande arco mecânico, pendia uma espada de lâmina dupla—imensa.
Abaixo dela—uma árvore solitária, seu tronco e galhos cintilando como fios de ouro entrelaçado.
E em um de seus ramos frágeis, um único fruto dourado brilhava suavemente.
— Eles estão... protegendo isso,
sussurrou Rivet.
— A espada, a árvore... já vimos isso antes.
— Na sala de planejamento,
confirmou Echo, semicerrando os olhos diante da cena.
— É a mesma disposição. Só que agora... é real.
— Como se tivéssemos entrado dentro da própria simulação,
acrescentou Sphinx.
A arena era um cemitério.
Dezenas de milhares de drones jaziam espalhados pelo campo—carbonizados, retalhados, desmontados em pilhas sem sentido.
Máquinas com garras, rodas, asas, pernas de aranha... todas destruídas em formações perfeitas.
Cada linha de destroços carregava vestígios de estratégia, o layout preciso demais para ser acaso.
E todas as estratégias haviam falhado.
— Isso não foi apenas uma batalha,
disse Doc, avançando alguns passos.
— Foi um teste.
Eles atravessaram os escombros, pisando sobre esqueletos derretidos e placas de armadura chamuscadas.
O ar fedia a cinzas e memória.
— Centenas de simulações,
murmurou Rivet.
— Mas nenhuma chegou ao centro. Nem perto.
Aquilo era mais do que um campo de prova de combate.
Era um registro do pensamento.
Cada drone caído—uma hipótese rejeitada.
Cada fissura no chão de pedra—um eco de tentativa fracassada de alcançar a perfeição.
Aproximaram-se do centro.
A árvore dourada tinha apenas três metros de altura.
Seus galhos finos reluziam com luz metálica.
E pendurado em um deles—o fruto.
Imóvel. Intocado.
Um símbolo, preservado em âmbar.
— Por que esse fruto parece familiar?
murmurou Echo.
— Como algo que deveríamos lembrar,
respondeu Bússola.
— Mas esquecemos. Como um sonho que escapa no instante em que se acorda.
Levantaram os olhos para os titãs.
— O que eles estão guardando?
se perguntou Rivet em voz alta.
— O que o fruto simboliza?
— Imortalidade,
sugeriu Sphinx.
— Ou conhecimento. Ou poder. Ou talvez... apenas memória.
— Ou a chave para algo... maior,
disse Bússola.
— O direito de escolher.
Estudaram a espada.
Ela não se movia—mas parecia que poderia.
Como se um único pensamento bastasse para ativá-la.
Apenas um golpe.
Suficiente para destruir qualquer um que se aproximasse.
— Não fomos convidados a vir até aqui,
disse Bússola, em voz baixa.
— Mas talvez esse seja o ponto. Talvez a lição seja que você não pode vencer um jogo que nunca foi feito para ser vencido.
— Porque o vencedor nunca foi escrito no modelo,
acrescentou Doc.
Estavam no coração da batalha mais antiga.
Os gigantes—invictos.
O fruto—não colhido.
— Se ninguém jamais venceu aqui,
disse Echo,
— então também não venceram onde a guerra real foi travada.
Bússola fitou o fruto uma última vez.
— Se ninguém jamais o tomou...
Talvez nunca devesse ter sido tomado.
Viraram-se de costas.
Não por medo.
Mas por respeito.
A arena não exigia mais desafiantes.
Ela já havia cumprido seu propósito.
A única vitória que restava era entender que não havia vitória possível.
Atrás deles, permaneceram os dois gigantes—
guardando não a árvore,
nem a espada,
nem o fruto.
Mas uma pergunta.
Uma que ninguém jamais soube responder.
.
O túnel de manutenção que os havia levado para fora da Arena estreitou-se inesperadamente, serpenteando por entre paredes altas até se abrir em uma malha comprimida de prédios utilitários baixos. Pareciam contêineres empilhados, pressionados uns contra os outros, formando um labirinto de becos estreitos repletos de placas desbotadas, portas cobertas de poeira e dutos enferrujados.
— Parece um setor de serviço,
murmurou Doc, olhando em volta.
— Aquelas caixas são oficinas. E ali — camas dobráveis. Gente morou aqui.
As estruturas lembravam unidades móveis usadas por equipes de campo. Tudo era básico: suportes para ferramentas, catres, chuveiros expostos, uniformes dobrados em gavetas metálicas. Ficava claro que ninguém estava ali por conforto — era um lugar para trabalhar, não para descansar.
— Lar doce lar…
murmurou Rivet com um lampejo de entusiasmo, girando devagar no lugar. Seus olhos brilharam ao ver bancadas e máquinas cobertas de pó, com propósitos desconhecidos.
— Com um pouco de tempo… eu conseguiria reativar metade disso. Se ao menos soubesse como tudo funciona…
— Odeio estragar o momento,
disse Bússola, seco,
— mas arrastar centenas de quilos de tecnologia misteriosa não é a melhor ideia — especialmente se a equipe da Sky ainda estiver por perto. Precisamos manter leveza.
Rivet suspirou, decepcionada.
— Passaria uma semana aqui… ou pelo menos um dia.
— Depois,
prometeu Bússola.
— Se conseguirmos voltar.
Seguiram em frente, deixando para trás os corredores estreitos do setor de trabalho. Após alguns quarteirões, a paisagem árida deu lugar a uma opulência surpreendente. Passagens estreitas se abriram em ruas cerimoniais ladeadas por uma arquitetura grandiosa — fachadas de mármore, colunas douradas, frontões ornamentados enrolados em esculturas. Fontes secas margeavam o caminho, outrora brilhando sob claraboias em domo, agora reduzidas a bacias entupidas de poeira.
— Como palácios,
murmurou Echo, olhando ao redor.
— Mas ninguém morava aqui.
— Nem era para morar,
respondeu Sphinx.
— Esses eram salões de espera. Faça alguém sentir que entrou em algo divino, e ele caminhará de bom grado para o que vier em seguida.
Dentro dos prédios — vazio. Bancos elegantes, pisos de mosaico, pilares de mármore. Mas nenhum sinal de camas, cozinhas, ou objetos pessoais. O lugar fora feito para breves pausas, não permanência. Cerimônia, não conforto.
— Era tudo espetáculo,
disse Doc.
— Faça-os sentir admiração e eles param de fazer perguntas. Continuam caminhando... como planejado.
A rua se abriu em uma vasta praça circular. No centro, ergueu-se uma imponente colunata. Em espiral descendente ao redor dela, um trilho magnético — seus trilhos metálicos lisos levando a uma plataforma de chegada.
— Aqui era onde deveríamos ter chegado,
suspirou Rivet.
— Se aquele túnel não tivesse desabado… imagine como isso devia parecer, com luzes, vozes, movimento… e não esse silêncio e ruína.
— Ponto de chegada,
assentiu Sphinx.
— Era por aqui que vinham. Da superfície — o topo da Atlântida.
— E onde eram despidos de tudo,
murmurou Doc.
— Sob o pretexto de "purificação"... mas, na verdade, era triagem médica. Procuravam doenças. Imperfeições.
Bússola se aproximou da borda da plataforma. Seu olhar seguiu os trilhos que se curvavam nas sombras abaixo.
O grupo contornou a plataforma e encontrou a entrada de um beco — largo, reto, de uma simetria perturbadora.
Tinha o ar de um caminho de peregrinação. De cada lado, erguiam-se estátuas douradas — algumas manchadas, outras enegrecidas pelo tempo. Suas formas eram graciosas, míticas — Apolos, Athenas, figuras como Hermes. Rostos calmos, iluminados, como se vigiassem cada passo com aprovação divina.
Mais adiante, escavada parcialmente na própria rocha, erguia-se uma estrutura colossal. Parte templo, parte montanha. Sua fachada externa havia sido expandida — adornada com detalhes em ouro e pedra pálida que cintilava suavemente sob a bioluminescência fúngica no teto da caverna.
— O Templo da Imortalidade,
disse Bússola em voz baixa.
Ninguém respondeu.
Caminharam em silêncio. A presença do Templo pressionava seus peitos como um peso. Não parecia salvação. Parecia a boca de algo antigo, à espera.
— Vamos,
disse Bússola simplesmente.
— Nada resta para nós nesta cidade morta. Mas talvez — só talvez — encontremos a resposta adiante.
A subida era antinatural.
Cada degrau era mais alto que o anterior, esculpido para pernas que não pertenciam a nenhuma anatomia humana. Aqueles degraus não haviam sido feitos para mortais, mas para algo maior — mais antigo. Cada passo era uma transgressão, um desafio sussurrado pela própria pedra.
— Quem constrói degraus assim…
murmurou Rivet, apoiando-se na pedra fria.
— Gente com três metros de altura, aparentemente,
resmungou Doc atrás dela.
O templo se erguia acima deles, com a fachada esculpida na própria rocha da caverna. Veios dourados cintilavam fracamente sob o brilho bioluminescente dos fungos próximos, traçando símbolos divinos sobre a pedra branca e lisa. A entrada em arco permanecia escancarada e silenciosa — negra como o abismo, engolindo toda luz.
Eles cruzaram o limiar para dentro do silêncio.
Lá dentro, o ar esfriou. O chão cintilava com mosaicos. As paredes estavam cobertas de símbolos arcanos que pulsavam como ecos distantes de um batimento esquecido. Mas todos os olhos se ergueram de imediato para o teto.
O afresco acima deles era colossal.
E não era o que esperavam.
Não havia nenhuma representação tradicional da evolução — sem macacos, sem animais. Em vez disso, uma sequência vertical subia de baixo para cima. Seis níveis ascendentes, cada um com um símbolo e um nome inscrito em uma língua que parecia ao mesmo tempo antiga e estranhamente familiar:
Chama
"A Chama Primordial"
Anjos
"Servos da Chama"
Humanos
"O Nó de Entrada"
Super-humanos
"O Transcendente"
Mente Suprema
"O Ápice Coletivo" — um anel de cabeças interligadas pelas têmporas.
Sol Dourado
"O Limite de Todos os Caminhos"
Sphinx avançou, o olhar fixo no teto. Seu rosto não expressava apenas compreensão — mas reverência.
— Isso não é apenas teologia,
disse ele.
— É um mapa. Um roteiro da evolução. Este templo... não é um local de adoração. É um laboratório de ascensão.
— O estágio dos super-humanos,
apontou para cima.
— E além disso... a Mente Suprema. Uma inteligência coletiva. Uma consciência compartilhada.
— MycoBrain,
sussurrou.
— Isso não é uma falha — é o próximo salto. Uma mente coletiva com poder suficiente para inventar o passo final: a singularidade. Liberdade total. Imortalidade.
— Neste lugar, as pessoas não apenas acreditavam. Elas concordavam em evoluir.
— Não podemos esquecer isso,
disse Bússola, olhando atentamente para cada um deles.
— O preço dessa chamada “imortalidade”... pode ser mais alto que a própria vida.
Eles seguiram adiante, atravessando o grande salão e descendo por um corredor suave que levava ao santuário mais profundo do templo.
Ali, banhada por uma penumbra dourada, estava a câmara de transição.
As paredes, lisas e polidas, brilhavam levemente com veios de luz embutidos. À frente, um imenso portão — arqueado, negro como ônix, adornado com linhas finas e sigilos em relevo. Do outro lado da câmara, uma estrutura dourada com forma de trono… ou carruagem.
— Parece que sentavam ali voluntariamente,
disse Bússola, aproximando-se.
— O portão se abria… e eles eram levados para dentro.
— Depois, a carruagem voltava. Vazia.
Ele encarou o portão em silêncio.
— Mas... para onde eles foram?
murmurou Rivet atrás dele.
Ninguém respondeu.
O silêncio ali era mais denso. Reverente. Carregado de intenção.
O sol dourado acima — o último símbolo no afresco — parecia encará-los através da pedra. Observando. Esperando. Sem exigir nada, prometendo tudo.
E além daquele portão…
Algo os esperava.
Eles estavam diante de uma plataforma ampla, encarando os imensos portões metálicos conhecidos apenas pelo nome que carregavam nos mitos: os Portões da Imortalidade. O silêncio os pressionava como pedra — como se até mesmo as paredes compreendessem o peso do que guardavam.
— Os painéis são... grandes demais,
murmurou Bússola, passando a palma pela superfície fria.
— Não dá pra romper. Nem com as mãos, nem com explosivos.
— Sem fechaduras. Sem alavancas,
completou Echo, examinando a estrutura.
— Apenas armadura sólida.
— Tudo é controlado internamente,
concluiu Rivet.
— Ou... por um sistema de energia.
— Então precisamos encontrar a fonte,
disse Sphinx.
Foi então que a viram — uma espessa linha de conduíte, meio enterrada na parede, desaparecendo por um túnel lateral. O cabo era antigo, mas intacto — sem traços de corrosão ou micélio, forjado de alguma liga que parecia resistir ao tempo. Não parecia fabricado — parecia extraído direto dos ossos da terra.
— Por aqui,
disse Bússola simplesmente.
O túnel os levou até uma linha magnética. Um antigo carrinho maglev repousava sobre os trilhos — empoeirado, mas inteiro.
— Sistema interno,
murmurou Echo, inspecionando.
— Se essa linha é selada, os bots nunca chegaram aqui. Pode estar funcional.
Rivet examinou a cabine. Após um momento de silêncio, um leve pulso verde iluminou o painel de controle.
— Ainda tem energia,
disse ela.
— Vamos.
O carrinho deslizou suavemente, como se os trilhos se lembrassem do caminho.
Passaram por longos corredores onde uma luz fúngica suave filtrava-se pelas janelas de observação vedadas. Por trás delas, estendiam-se campos subterrâneos — torres de fungos bioluminescentes com cinco, sete metros de altura. Aquilo não era uma horta auxiliar.
Era o coração.
Milhares de cogumelos verde-pálidos pulsavam na penumbra. O brilho não era forte — mas preenchia o ar como uma respiração. Um pulmão vivo.
O carrinho parou na estação seguinte. Saíram em silêncio.
As janelas acima eram espessas, reforçadas. E além delas — campos de fungos sem fim.
— Isso é... só uma plantação?
sussurrou Rivet.
— Onde está o MycoBrain?
perguntou Echo, confuso.
— Não deveria estar aqui? No centro?
— Achei que seria uma mente-divina,
disse Sphinx lentamente.
— Um superorganismo. Bilhões de neurônios humanos fundidos ao micélio. Uma inteligência colmeia... a imortalidade coletiva.
— Mas aqui só tem esporos,
disse Bússola.
— Luz. Silêncio.
— Talvez o cérebro esteja atrás dos Portões,
sugeriu Rivet.
— Talvez este lugar fosse... para os corpos.
— Ou talvez,
murmurou Doc,
— o cérebro nunca tenha sido um fungo. O que significa... que ele é o quê?
O percurso continuou. Mais estações. Mais campos. Mais verde. Mais esporos.
E então — o núcleo central.
Uma placa na parede, ainda legível depois de sabe-se lá quantos anos:
PROTOCOLO DE MANUTENÇÃO PARA O FUNGUS ELÉTRICO
Mycophyllum electrica
Finalidade:
Sistema autônomo autossustentável.
O fungo gera ar, luz e energia.
Limpeza e segurança:
— Esporos proliferam com poeira e umidade.
— A cada dez ciclos: limpar superfícies e máquinas; aplicar pó amargo.
— Pessoal deve passar por tratamento antifúngico no sangue a cada três ciclos.
— Ele faz tudo,
sussurrou Sphinx.
— Ar. Luz. Energia. Sem precisar de sol.
— É isso,
disse Bússola, tocando a placa com cuidado.
— Foi isso que causou o colapso.
— Não havia mais ninguém para manter,
murmurou Rivet.
— Talvez tenham evacuado. Ou... não conseguiram sair.
— E os esporos tomaram conta,
completou Echo.
— Até dos robôs.
Mais ao fundo, encontraram o painel de controle — empoeirado, mas funcional. Os interruptores estavam todos abaixados. Muitos quase ilegíveis.
Rivet abriu uma das tampas de manutenção.
— O sistema de iluminação da cidade — desligado por aqui,
disse ela.
— Isso explica a escuridão acima. Não foram só bots quebrados. E aqui — o controle do maglev... desligado também.
— E a usina de processamento,
murmurou Bússola.
— Por isso os bots nunca foram higienizados. Ficaram vagando. Viraram vetores.
— Até a Arena,
disse Rivet.
— O setor inteiro — isolado deste núcleo. Atravessamos tudo por acaso.
— E os Portões,
finalizou Doc.
— Também são alimentados daqui.
No último terminal, havia um módulo de comunicação. Echo ativou. Uma luz piscou fracamente. Estática preencheu os alto-falantes. Echo ajustou cabos, dedos ágeis.
— Isso pode reforçar o sinal que deixei lá em cima,
disse.
— Se a rede ainda estiver conectada... talvez o sinal suba.
Bússola pressionou o microfone.
— Aqui é Ren ‘Bússola’ Wayland...
Sua voz tremeu — não de medo, mas pelo peso de tudo que haviam visto.
— Se alguém puder ouvir isso...
Estática.
— O MycoBrain... não é o que pensávamos...
Mais estática. Então, um último fragmento:
— Este lugar... estávamos todos errados. Atlântida — é só um véu. Uma mentira...
O sinal caiu. A luz da transmissão apagou.
Silêncio.
Echo tentou religar — nada.
— Então só resta uma coisa,
sussurrou Bússola.
— Abrir os Portões.
Ele colocou a mão sobre o disjuntor marcado com o símbolo dos portões. E puxou.
O velho sistema gemeu e despertou.
Em algum lugar, nas profundezas dos Salões da Imortalidade — algo respondeu.
Os Portões estavam prontos.
A viagem de volta pareceu interminável.
O carrinho maglev rastejava como um caracol, e mais de uma vez alguém sentiu vontade de pular e correr o resto do caminho.
O que alquimistas, sábios e cientistas buscaram por milênios agora estava a apenas algumas dezenas de quilômetros à frente.
Mas eram os quilômetros mais longos que já enfrentaram.
Ninguém falava.
Até a respiração parecia contida.
O ritmo dos corações ecoava como passos num corredor vazio.
Sphinx estava pálido, tremendo de expectativa.
Continuava enxugando o suor da testa, como se temesse morrer de ansiedade antes mesmo de alcançar os Portões da Imortalidade.
Doc verificou seu pulso e, em silêncio, lhe entregou um sedativo.
Eles refaziam uma rota conhecida, mas agora tudo parecia diferente.
Até o ar estava mais denso — carregado de pressentimento.
— Quase lá,
murmurou Rivet.
— O maglev está nivelando para a plataforma do templo.
Bússola assentiu discretamente.
Sentado à frente, mantinha os olhos fixos no túnel adiante, o corpo tenso.
— Não sei o que vamos encontrar do outro lado,
disse em voz baixa.
— Mas meus instintos... estão gritando como nunca antes.
— Chegamos longe demais para recuar,
respondeu Sphinx.
— Quantas vezes estivemos a um passo da morte? Se desistirmos agora... tudo isso terá sido em vão?
— Não,
disse Doc suavemente.
— Mas talvez devêssemos nos perguntar por que o maior tesouro já imaginado foi deixado para trás. Intocado.
Rivet mexia na alça da luva.
O rosto sereno, mas os olhos brilhavam.
Não de lágrimas — mas de pressão interna.
Dentro dela, a engenheira e a humana se enfrentavam.
Curiosidade e medo.
Intelecto e instinto.
— Prometeram-nos imortalidade tantas vezes,
murmurou.
— Por mitos. Pela ciência. Por máquinas. E agora... está aqui. Algo real. Algo que podemos tocar.
— Ou algo que vai nos tocar primeiro,
resmungou Echo, seco.
O maglev fez uma curva e desacelerou ao se aproximar da estação final — à soleira do Templo da Imortalidade.
Os Portões brilhavam.
Antes, metal inerte. Agora, pulsavam com uma luz dourada suave, como se o coração de todo o complexo batesse atrás deles.
Entalhes intrincados cintilavam como raios de sol refletidos do interior.
As portas não estavam abertas — mas tampouco seladas.
Estavam... esperando.
Ao lado delas, erguia-se o carro cerimonial.
Eles o haviam visto antes — mas agora era diferente.
Não mais apenas uma plataforma dourada com arcos e trilhos.
Estava chamando.
Um campo de energia suave tremeluzia em sua estrutura.
A energia fluía dali para os Portões.
Faltava apenas um elo na corrente.
Um passageiro.
— Está claro,
disse Bússola.
— Só precisamos sentar.
— E os portões se abrirão,
completou Rivet.
— Sem códigos. Sem rituais. Apenas contato,
murmurou Sphinx, balançando a cabeça.
— Brilhante. Ou assustadoramente simples.
Eles estavam à beira de tudo.
A plataforma parecia larga demais.
O tempo se esticava até não caber no próprio tempo.
O ar estava imóvel.
Só a luz se movia — gentil, constante. Esperando.
Bússola avançou até o carro.
Colocou a mão no corrimão.
O metal estava quente.
Fechou os olhos.
Um passo. Uma respiração. Uma travessia — e tudo que veio antes ficaria para trás.
Mas então —
Passos.
Medidos. Suaves.
Não hostis — mas ressoavam como um pensamento dito em voz alta.
Todos se viraram ao mesmo tempo.
Da escuridão do túnel, surgiu uma figura.
Atrás dela — mais quatro.
Caminhavam lentamente, deliberadamente.
As armas abaixadas.
Sky parou a poucos metros de distância — exausta, desgastada — mas firme.
Seus olhos não traziam desafio.
Observavam com cautela.
Com tensão.
Mas sem ameaça.
Atrás dela estavam Thunder. Mamba. Shade. Pixel.
As duas equipes reunidas novamente.
Então, Sky falou.
E as palavras pararam o tempo.
— Não.
Continua em TOLD BY HOSPES SI — Livro 2: A Raiz do Mal